quinta-feira, 26 de abril de 2018

Dos olhos para a garganta – novo movimento dos sentires maternos
26/04/2014

Quem lê o que vez por outra escrevo já se deparou com minhas insistentes confissões do quanto não sei coisas. Já até pôde ler a relação dos meus especialistas-amigos de plantão que me socorrem para me abastecer das respostas que não sei sobre como lidar com o dia-a-dia, desde a febre do filho pequeno até a melhor maneira de guardar mantimentos ou fazer o acabamento de uma costura em ponto de cruz. Não é falha do mundo, não. A incapacidade nasceu comigo e, pelo andar da carruagem, comigo seguirá até o fim. Mas há uma coisinha ou outra sobre a qual eu julgo ter algum pequeno comentário a fazer. Em outras palavras e sem medo de errar, posso garantir que sobre uma experiência ou outra, bem que eu tenho alguma coisa a ensinar, um pouquinho que seja... Em geral, é sobre coisas do sentimento, daquilo que fere a alma e espeta o peito. Não é ser dramática, não, mas uma delas é sobre a dor de perder um filho. Felizmente, não por vivê-la, na própria carne, mas por ver minha mãe perder aquele que era um seu filho, além de jovenzinho, muito particularmente adorado. Aliás, Maninho tinha um fascínio especial ao qual nos dobrávamos, ela e eu.  Então, ver uma mãe, a minha mãe, sofrer a dor da perda de um filho, eu vi e trago comigo o que vi e senti. E lá se vão muitos e muitos anos. Foram meses acamada, conosco em torno, ela sem conseguir voltar à realidade, tomada por um pranto interminável, até mesmo às vezes transformado num riso descontrolado que a nós deixava perplexos e atormentados.  Seus olhos e possibilidades de viver realmente custaram muito a retomarem a cor novamente...

Por que penso nisso há alguns dias? Por um motivo que se banaliza entre nós e que me ensina que em cinquenta anos a dor de perder filhos tem outras formas de se manifestar. Hoje em dia, torna-se cada vez mais corriqueiro as mães que perdem filhos não terem sequer tempo de chorar. A dor tem outras formas de sair para o mundo: mal recebem a notícia, os olhos não são mais os portadores das lágrimas que tentam aliviar a dor que atinge em cheio o coração materno.  É a garganta o novo órgão capaz de expressar a dor que não se explica. É por meio dos incessantes gritos de pedido de justiça que a dor escapa. Se é que escapa... Ou seja: nem de lágrimas as mães de hoje em dia podem se servir para lavar seu sentimento de fracasso e a interrupção de um caminho comum com aquele com quem vinha dividindo o mundo. A antiga sensação – coisa instintiva mesmo – de chorar apenas por total impossibilidade de se servir de outro recurso que não o choro – foi superado pelas novas circunstâncias históricas. Perder filhos exige frieza e bons pulmões para se fazer ouvir. E sem certeza NENHUMA do resultado que virá.

Estou ficando amarga. Amigos, precisamos nos juntar de algum modo. Sozinhos, nem lágrimas nem gritos serão jamais ouvidos.

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