MINHA CRIANÇA SEMPRE VIVA! PRA QUÊ?
30/12/2014
A ideia era acordar e escrever sobre a tragédia que foram os dois assaltos que sofremos há uns anos, na antiga casa de onde nos mudamos, completamente assustados. O assunto tem surgido meio enviesado, por conta de uma ou outra charla com amigos e filhos, e eu vinha tendo necessidade de fazer desaguar as marcas desse acontecimento de memória tão pesada. Até andava insatisfeita comigo mesma por nunca me lembrar do ocorrido, a me julgar uma pessoa indiferente, como se a própria história não me houvesse deixado marcas. Como fico tempos e tempos sem nem me recordar de fato tão violento e marcante? Seria por aí, acreditava, mais cedo, a tônica da conversa a ser posta em letras...
Mas, a vida, como lhe é intrínseco, independente de cada um de nós, se fez presente cruamente, com sua autonomia e traço. Traço que tanto poderia ter a suavidade de um afago em nossa face quanto uma agressividade descomunal a provocar cicatrizes perenes. Como foi o caso, enquanto eu supunha realizar coisas ligadas ao mundo de palavras regeneradoras... Mais ingênua, impossível! Uma menina!
Mal me levanto, venho a saber da perda de uma vida infantil, iniciante, a custar o desespero e a pena de adultos que lhe cercavam, e isso me toma por completo, me desviando de minha – agora percebida assim – irrelevante intenção para dar a partida para o meu dia. Assaltos tidos como tragédia? Régua torta, quebrada, inútil, essa, que mediu desse jeito os efeitos daquelas noites de abril de pouco mais de uma década atrás! Como estava enganada em minha medição das coisas, meu Deus! Como dimensionei mal a força daquele fato antigo que nos deixou a salvo, a mim e a meus filhos, apesar da violência empregada! Perdas materiais? Recomeço? Essa aritmética traz resultados enganosos que não sobrevivem, por certo, a uma banal prova dos 9! O trágico reduziu-se a uma ocorrência totalmente secundária. Tudo é mesmo relativo. Tudo mesmo, sejam quais forem as dores acumuladas pela vida afora, e de qualquer tipo! Tudo cessou! Tudo perdeu tamanho diante da notícia que me chega de Campos. Uma menininha morta numa piscina!
Por que fatos assim precisam acontecer para cada um se dobrar à sua insignificância? Fato coisa nenhuma! Fato tem data, circunstância, sujeitos. Tudo objetivamente definido. Essa tragédia não é desse tipo, ela é daqui para a frente, teve data apenas para ter início! É marca para todo o sempre. Dores desse tido me são velhas conhecidas. Aos 15 anos, comecei a perder irmãos, já falei disso aqui.
Qual o sentido de tamanha dor?
Imobilizada, volto a minha infância, à fase de uma consciência totalmente ingênua. Entendendo que nada posso fazer, que a dor está posta e que, diante dela, sou total e absolutamente incapaz, fico a imaginar ações sem sentido ou eficiência, seja para o que for (não reparem na série de infantilidades, coisa de criança mesmo, que eu, menina mesmo por instantes, não me envergonho de contar): não comer nem doces diet em sacrifício para que a família suporte melhor a sua perda; não entrar na piscina por um tempo, eu que ontem mesmo fiquei horas e horas com Luna aproveitando a delícia da água para combater o intenso calor de Niterói; não fazer a minha sesta depois do almoço por algum tempo; não fazer isso ou aquilo, ..., uma série de inutilidades, sem nenhum efeito prático em torno do que sucedeu...; bem ao modo de quem apela para o pensamento mágico na impossibilidade de ter a Ciência a seu favor, pelo que a mesma não oferece para atenuar as dores da alma. Só bobagens! Só criancices! Só arremedos do que ficou dos meus tempos de menina católica que fazia promessas em prol da obtenção de alguma graça a ser obtida. Sempre fica um pouco de perfume nas mãos daqueles que oferecem flores? Pois é, das nossas antigas crenças também.
Volto à razão e tenho mesmo é que enfrentar a crueza dos fatos e seus determinantes. Nada disso é nada! Nada disso muda nada! Não sei, nada sei, nada obtenho com nada que vier a inventar. Só percebo meus limites, minha total nulidade ante o que sucedeu.
Cheguei a esta vida, por ela passo, usufruindo seus momentos e dela partirei sem ter a mínima ideia de por onde passa a fonte primeira de sua trama. Diabólica, às vezes. Que horror!
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