DIREITO E AVESSO
Carmen Lucia Pessanha,
em 19/01/2018
Ao perceber que minha filha precisava de uma faixa flexível para proteger os cabelos para quando passa seus creminhos na face, fui à cata de um tecido em minha caixa de retalhos e encontrei um na medida, animando-me, como sempre, a, ao invés de comprar, eu mesma fazer (ou reformar, quando é o caso).
Mesmo com o intenso calor que faz, o que me direcionaria para o frescor de um banho no chuveirão ou na piscina, impedida de pegar sol, devido a uma intervenção dentária na véspera, ponho-me a tecer a faixa para a pimpolha, mulher feita, mas minha eterna menina, apesar de estar a léguas de ponderação e racionalidade adiante de mim.
Trabalhar com as mãos é a mais pura desculpa para pensar e elucubrar - esta é a verdade. Só que hoje o desvario do meu pensar se deteve nesta horinha de trabalho recém concluída, na própria costura que ia saindo de minhas mãos. muito mais calejadas pelo uso de gizes e teclados do que de agulhas.
O que surge em meu pensamento em sua algazarra de gostar de sair por aí à procura de novidades? Nunca me satisfaço com os avessos que produzo. Parece uma sina, uma incapacidade mesmo. Mais vale aproveitar um botão bonito que sobrou de um antigo vestido de baile ou uma argola antiga para dar um acabamento ou incluir um adereço ao novo artesanato criado, do que o que lhe vai dar sustentação interna, posto que estará afastado do olhar de quem vê a sua bela aparência. Hum!!!, estranho isso!
Para mim, que valorizo o que as aparências escondem, esta faixa acabada de ser aprontada, com sua costura interna tão imperfeita (se Luiza Sarmet olhar, me expulsa da minha pretensa condição de costureira, mesmo que amadora!), me faz pensar em como me movo na vida. Nunca fujo de aproximações e interações de tudo com tudo. Entre o de dentro e o de fora também, com certeza. A realidade não é a construção mediante a reflexão para conquista da unidade entre o visto e o subjacente? Com isso me indago: o que ando deixando mal feito por dentro da alma enquanto por fora a bela viola se exibe vaidosa e impune?
A faixa preta de veludo está pronta, lindinha e útil para a filhota. Mas do processo de criação de tal objeto fica mais uma indagação para o meu próximo divã: qual a parte do meu avesso que o meu direito esconde, tímido, temeroso ou ainda preguiçoso de desnudar?
Nenhum comentário:
Postar um comentário