CACHORRADA
A ex-aluna, a respeito do que escrevi sobre Mel, expõe seu ponto de vista de que "mimar cachorro é muito bom" e é o desconforto que sua fala me causa que me traz aqui, ao meu vício de palavrear. Ou carmear, como queiram, valendo-me de meu nome feito verbo em seu significado de escarafunchar, desatar, esmiuçar.
É que eu nunca gostei de bicho algum. Nenhuma recordação aporta à minha memória, se o assunto é o de qualquer animal de estimação, na infância. De quem me lembro com saudade na ilha de edição que é minha forma de recortar o viver pretérito é de meu ursinho marrom, de pelúcia, inanimado, mas completamente vivo dentro de mim. Dele, sim, me lembro bem.
Gatos, nem pensar! Cachorros? Desnecessários, invisíveis, inúteis.
Mas, a vida se fez viva e se impôs... E, pelo que observo,
uma relação muda um percurso.
Como acaba de me expor uma especial amiga, pois que terapeuta de família, uma relação envolve o um, o outro e numa terceira ponta, superadora de um imaginado caráter binário, que é a relação em si, que não é, em absoluto, a soma dos dois que se relacionam, é outra coisa, é o processo e o produto do afeto que liga o um ao outro.
Aqui, no meu canto, é desse jeito mesmo. É justamente na interação construída com nossos cães que eu venho me transformando. Minhas mãos, antes afastadas, como que presas ao meu próprio corpo, hoje se abrem à novidade, e afagam, ampliando conquistas típicas do mundo tátil. A sensação da mão correndo pelos pelos é descoberta e alentadora, confortável, prazerosa. O olho no olho traz uma nova comunicação, repleta de entendimento. O medo do novo e o aprisionamento a tudo que já é de domínio dos sentidos vai cedendo e vejo ser corroído o indesejável freio a novos experimentos.
Agradeço a Mel, Maya e Noah, aqui em casa, a Cacá, em Icarai, e a Pipoca, Branca, Mel Castanha e Pink, em Campos e Atafona, pelos novos ares que aprendo a respirar. Hoje, minhas narinas gozam diante de cheiros diferentes, minhas mãos perderam a rigidez de lidar apenas com as texturas habituais, meus olhos são mais sensíveis ao que falam os animais, e eu abro minha vida a novos sentidos e experiências.
Esse bem serve pra tudo. O mundo e suas diferentes apostas são bem-vindos. Por que não experimentar? Por que não conviver com o diverso? Por que não perder o medo?
Então, Pietra De Paula, é característica adquirida e por influência de um bicho diferente de mim, que hoje eu consigo mimar Mel em sua muito bem-vinda recuperação.
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