Em 30/03/2011
Chovendo no molhado: quase tudo para mim passa pela escrita. A conversa entre cada ponto de meu corpo – o pedaço que pensa, a fração que deseja, a lasca que indica necessidades – e a mão que dedilha, deixando escorrer sensações, é intenso, inteiro, inacabável. Sonhos, sentimentos, projetos, frustrações, tudo clama por registro, e parece mais apropriado por mim quando passa pela mão salvadora que tece fios e mais fios com as palavras que brotam sei lá de onde...
O encontro com o teclado, hoje, vem por conta da conversa que tive ontem com uma grande amiga, em relação a quem o que me une é muito mais a troca de nossos gostares recíprocos do que propriamente afinidades quanto aos modos como olhamos a vida e dela recolhemos o que vai chegando para cada uma.uma grande amiga, amiga dessas em relação a quem o que me une é muito mais a troca de nossos gostares recíprocos do que propriamente afinidades quanto aos modos como olhamos a vida e dela recolhemos o que vai chegando para cada uma. A gente se gosta, mas não necessariamente a gente gosta do que a outra gosta na vida. Somos diferentes, e isso, pelo menos para mim, é uma lição diária do que é ter afeto por alguém. E digo mais, o mais difícil deles, pois que dedicado a alguém bastante distante do meu cotidiano, quanto ao sentido que escolhemos, cada uma, para nossas próprias existências. Mas, eu dizia, ontem, estando com essa minha grande amiga, falamos de tudo. Tínhamos tempo, passamos todo o dia juntas, muitos engarrafamentos a ultrapassar, portanto, muitas trocas possíveis de serem feitas. Pois, conversa vai, conversa vem, sozinhas, retornando à casa, pela Ponte com seu habitual trânsito lento, eis que mais uma vez eu confesso para ela o meu sonho romântico de ainda viver um grande amor. Eu, sim, aos 65 anos, ainda sonho com um grande amor. E pior: anuncio o sonho, mesmo que absurdo, extemporâneo, até ridículo, no dizer de alguns.
A minha amiga, sempre prática e racional, e, com certeza, coberta de razão, retruca, combatendo veementemente a minha doce ilusão, contando com exemplos de casais e mais casais – conheço todos, ela tem mesmo razão! – que “não são felizes mas têm cônjuges”, falando, inclusive, do exemplo mais recente de uma conhecida, cujo namorado, a julgar pelo que ela ali me narrou, realmente é um parco companheiro, daqueles cuja forma de ser nos levam a pensar ser melhor estarmos sós do que mal acompanhadas. Desatento, egoísta, pouco cortês, realmente um péssimo exemplo do que poderia ser um grande amor para quem já está bem mais além (e ponha-se além nisso...) da metade do caminho por estas bandas terrenas. Segundo ela, portanto, besteira minha, esperar pelo inexistente. Isso seria coisa para quem vem junto, desde cedo, construindo uma história de parceria e cumplicidade. Perfeito! Nisso, ela pensa como eu. Mas, e daí, o que fazer? Não há dado de realidade que me afaste de meu sonho, por mais irreal que pareça ser. E é.
Duas mulheres, dois olhares, duas perspectivas. Com ela, toda a razão, que lhe amacia o caminho que sempre veio e sempre virá. Comigo, apenas a tristeza de me saber uma mulher[1] que sonha.
Hoje, claro!, não consegui terminar o dia sem vir pra máquina registrar o desacerto daquela conversa. O que faltou foi eu me explicar melhor pra minha amiga – e, hoje, pro mundo todo, essa ilusão que a gente tem quando escreve, de que o Outro, qualquer que seja ele, o mundo mesmo, enfim, nos ouvirá e compreenderá nossas palavras e intenções –, repito, faltou explicar pra quem quiser ouvir que o que eu quero é o sonho. Sem tirar nem por: o que eu quero é o sonho!
Deixem-me morrer com ele. Ele está entranhado em todo o meu ser. Ele me faz chorar ao ouvir música, ao ver TV, ao assistir a um filme, trazendo-me fantasias alentadoras... Não há argumentos racionais que dele me afastem. Razão eu utilizo para outras dimensões de minha vida – Ah, e como, e quanto! –, mas, em se tratando da espera do grande amor, deixem-me sozinha à sua espera. Só a emoção da espera dá a dimensão de sua magnitude. Parodiando Liz Luft[2], aqui encerro dizendo em alto e bom som: DO MEU SONHO SEI EU. E sou inteiramente só quando se trata dele...