Escrito originalmente em março de 2002
Ouvir e fazer perguntas não significa negar o passado e suas respostas. Significa, sim, saber que esse passado é sempre relativo e está sempre diante de novas perguntas. São tais perguntas que condicionam a forma como vamos recortá-lo para entender as perguntas que incessantemente não param de surgir...
Tomar por referência a prática – e suas perguntas – não significa – nem poderia significar – cada um de nós se esvaziar de experiências e ideias anteriores para olhar a vida e viver cada um de seus momentos. Pelo contrário, toda a nossa história interfere na nossa maneira de observar e compreender a vida. O que não devemos – e até devemos insistir em lutar contra isto dentro de nós mesmos – é buscar modelos (estes, sim, ideais) para comparar com os fatos que se apresentam, no nosso dia-a-dia (vistos como imperfeitos, incompletos, equivocados se não corresponderem ao modelo ideal). Lidar com o que está posto concretamente é até mais sábio do que “dar murro em ponta de faca”, querendo mudar o que existe, sem levar em conta as circunstâncias.
Acreditamos que, para quem quer melhorar o mundo, para quem é teimoso e insiste em querer contribuir para a construção de um mundo mais humanizado e justo, diferente do que está aí, esta necessidade de tomar a prática como referência é até mais premente. Quando olhamos com mais atenção para o jeito de ser das coisas é que podemos perceber com maior clareza suas fragilidades e pontos de maior resistência, quem é aliado, quem não é, quais as características mais e menos aparentes de cada situação, como cada fato se liga com o seu contexto, estas coisas... Se ficarmos presos ao modelo ideal de sociedade e quisermos moldar o cotidiano a ele, a tendência é o fracasso.
A forma idealizada de perceber o mundo, não raras vezes, faz com que cada um de nós se sinta desanimado de tentar mudar as coisas diante da forma como elas se apresentam. Sem sabermos olhar bem como as coisas funcionam, sem compreendermos bem o porquê da relação dos homens e mulheres entre si e deles com a natureza ser como é, tentamos mudar e, não raras vezes, fracassamos. Ora aumentamos desmedidamente as nossas possibilidades como sujeitos da História (imaginamos que tudo podemos e, como não podemos, de fato, desistimos e tornamo-nos pessimistas e desesperançados). Outras vezes, nem tentamos nada ou quase nada porque julgamos que somos vítimas de um contexto perverso, e nada ou quase nada podemos contra os poderosos e contra as forças constituídas.
Pois bem: nem vítimas nem sujeitos – idealizados e a qualquer custo – da História! Seremos sujeitos da História, de verdade, se olharmos bem com esta História se desenrola, suas forças, seus personagens, seu movimento, suas tendências, suas versões, seus discursos, sua multiplicidade... Aí, sim, com base nos nossos sonhos, poderemos – e sempre coletivamente – ir transformando o status quo, estruturando uma nova forma de viver, melhor para cada um e para todos.
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