Não sou lulista, já disse e repito aqui. É verdade que já fui, e com fervor. Mas,
depois do documentário do João Moreira Salles, ENTREATOS, cobrindo a campanha
vitoriosa do ex-presidente, passei a encarar o grande líder mais realisticamente.
O mito se humanizou. E foi isto mesmo: algumas cenas do filme foram decisivas
para que uma nova construção fosse sendo produzida dentro de mim sobre o
operário-presidente e seu partido. A cena de seu discurso para os operários e a
sua saída do palco indagando, já nos bastidores, ansioso, a assessores se a
FIESP havia decidido apoiá-lo, me fez entender cruamente a aliança que o estava
levando à presidência. E que ele estava se equilibrando entre dois polos. O
mais era ilusão, ilusão à toa, e sem ter Jonny Alf entoando a canção.
Meu entendimento foi-se ampliando e o super homem foi ganhando a dimensão humana de
quem também comete equívocos. Um dentre todos nós. Como não poderia deixar de
ser. Errada era eu, de haver estendido desmedidamente a sua aura de milagreiro
da bondade. Na verdade, quando o chamado mensalão veio à tona, Lula e o PT já
me habitavam com uma dimensão muitíssimo mais cheia de tons, sem que eu mais me
deixasse levar pela ilusão de uma pureza sem limites por parte dos antigos
“companheiros”. A contradição viva foi-se delineando e tudo se tornava mais
nítido quanto ao caminhar da política nacional. No pós-eleição, a Carta aos
Brasileiros foi lida com mais atenção e serenidade e as políticas do governo
federal, sendo implementadas, foram dando nitidez ao jeito Lula de governar –
políticas sociais claramente postas em prática, mas à custa de lucros para o
Capital, numa competência política descomunal e digna de invejável
reconhecimento. Não por outra razão ganhou notoriedade internacional, mesmo por
parte da chamada Academia, visivelmente o seu não-lugar. Com Lula, as políticas
públicas surgiram e/ou mudaram de direção. Não se voltavam apenas para um mesmo
lado, o de sempre. Agora, sopravam-se novos ventos de caráter popular, mesmo
que à custa de bons negócios para os poderosos de sempre. Tudo bem, era o
possível.
Vida que segue e novos contornos ganham o partido, agora no poder. Petistas mais
próximos, inclusive, com suas práticas e campanhas assentadas em farto e rico
material, me ajudavam a ir percebendo o quanto a questão eleitoral moldava-lhes
o espírito e os fazia cambiar as próprias referências, tornando-se mais
elásticos em seu entendimento sobre o socialismo. Com grande surpresa, devo
confessar, fui percebendo que para muitos um mundo igualitário começou a passar
ao largo de seus sonhos (ou era eu que não teria sabido ver?) e que outros eram
os interesses e valores que os colocavam no mundo da política. Enfim, passei a
compreender mais vivamente que a vida, e, nela, a política – é feita por seres
humanos, com suas diversas dimensões, mesmo as menos nobres.
Lula e tantos e tantos não serem comunistas ia ficando cada vez mais claro. Isso, no
entanto, não impedia que se pudesse, dentro das contradições, ver a
generosidade como marca do seu governo, nos limites que lhe permitia a sua base
aliada, a quem teria que agradar e dar a paga pelo que tentava – e ia
conseguindo, de uma certa (a possível) forma – para reduzir a desigualdade
social e a carência do povo trabalhador.
A virada de perspectiva do governo do PT em, pela primeira vez, trocar o sinal e
deixar de ser exclusivamente voltada para os mais abastados, assustou os donos
do Brasil, aqueles que sempre comandaram o espetáculo das ações públicas. Lula
virou inimigo a ser triturado e posto a nocaute. Aquela farra de retirar o
pobre da invisibilidade não podia prosseguir. Com as práticas não ortodoxas
levadas a efeito pelo PT para arrecadar fundos de campanha e para assalariar os
votantes no Congresso, os conservadores obtiveram, de graça, a necessária
munição para arrebentar com o partido que ousava sair da linha. Estava dada a
largada para as denúncias e para a campanha – intensiva, programada e ampla –
para anunciar ao mundo que o PT quebrou o Brasil, que o PT inaugurou a
roubalheira no Brasil, que o PT é o diabo e tem que ser expurgado, e com
urgência. Vade retro, Satanás, que queremos retornar ao leito do rio que sempre
permitiu a navegação, sem acidentes, numa única direção – a boca do oceano dos
ricos e endinheirados – era o que pareciam dizer os seus opositores.
Cama feita, muitíssimo bem feita, sobrou para Dilma, a admirável mulher tida como
aquela que “não sabe fazer política” (esta, sim, continuo admirando com
entusiasmo) que substituiu o político inigualável, ele, sim, capaz de negociar
até com o próprio demo. Com todo o apoio da Imprensa, alcançou-se o impedimento
da primeira mulher presidente do país, culminando com o retorno, agora
revigorado, da banda da direita ao poder, sob o comando do seu vice, golpista e
fraco. Henrique Meirelles que fora uma parte, agora é o comandante em chefe do
conjunto do poder central. Aliás, a julgar pelo que dizem especialistas, hoje,
no Brasil, afora a mínima parcela da esquerda que resiste mas não ameaça
(ainda), o que temos é a direita, com maior ou menor quantidade de maldade em
sua composição.
Pois bem, substituindo Dilma voltam a mandar os políticos tradicionais que antes
sempre governaram sozinhos. E sobre eles, os maiorais, tome de denúncias e mais
denúncias de corrupção, fazendo com que a própria mídia tradicional não consiga
mais esconder a podridão que cerca o governico que aí está. O rei ficou nuzinho
da silva. Em pelo. E cada dia mais se agravam os acontecimentos em torno do
andar de cima. Ou seja: vai-se desanuviando o ar e ficando cada vez mais
visível, até para quem andava míope, que a corrupção não aportou aqui com os
governos petistas. É coisa nossa. Uma jabuticaba mais que saborosa, conhecida,
velha conhecida.
Mas, estávamos pensando que o líder Lula seria poupado e o foco do noticiário seria
lançado sobre a ladroagem oficial de hoje em dia? Ou sobre o tipo de ligação
imoral que vigora entre Temer e o Congresso? Ou sobre as políticas que vêm
sendo criadas, todas elas contra os anseios populares, todas elas de caráter
excludente em relação aos mais pobres? Qual nada! Tudo que vem chegando é
anunciado como necessário ante os desmandos dos governos passados (do PT). Até
mesmo (ou principalmente) a política educacional, que vinha experienciando uma
inusitada ampliação para abarcar os menos aquinhoados, agora oficialmente se
põe novamente a separar quem vai à Universidade (e comandará o país) e quem
fica no caminho (para ser comandado pela minoria). Absolutamente! O que se vê é
a luz do palco não sair de um único local – o que alumia Lula e sua mulher. O
que se coloca no centro é qualquer coisa que suje a imagem de Lula e de dona
Marisa. Tudo o mais é secundário.
Aí, eu penso... e penso... e penso... e caio numa conjectura desvairada, só por
exercício de minha sanha de ver alguma mudança no ar: por que não se faz um
exercício de maldade em benefício da verdade dos fatos? Coisa rápida, na crença
de que “os fins justificam os meios”? Vejam se não fará bem ao povo e à
elucidação da verdade. Seguinte: proponho que se prenda logo o operário Lula e
a doméstica Marisa Letícia. Lá em Curitiba. Junto do “Mouro”. Deixem-nos lá por
uns bons 30 dias. Como operário e doméstica, eles já conheceram muito aperto na
vida. Eles resistirão, na maior.
Quem sabe assim, neste meio tempo, finda a vingança contra aquele que ousou pensar que
poderia mudar as regras do jogo, posta em evidência a ausência do protagonista,
sanada a ira nacional de quem o odeia e acusa, quem sabe, repito, não se
consegue um bom iluminador de palco para que ele vasculhe com seus canhões
coloridos as outras áreas do tablado e se consiga ver quem o habita – e com
todo o garbo? Enquanto Lula estiver livre as vistas estarão embaçadas pelo tipo
de informação precária, unilateral, distorcida e maldosa que se espalha pelo
Brasil afora.
Se mesmo visível para tantos, os móveis de uma sala não são percebidos porque no
seu centro está uma mesa de ricos contornos, que se retire-se a mesa! Não é
possível que nem assim se consiga enxergar tantos quadros, poltronas, mesas e
adornos que ali estão compondo o ambiente, e com tudo tão empoeirado...
Se não, nada feito! Só dará o mesmo do mesmo. As manchetes não mudarão. A ladainha
não cessará. A verdade continuará sem holofotes.
(Perdão Luis Inácio e Marisa Letícia, pelo meu desvario, em minha condição de
inconformada com o mal que a Imprensa brasileira e seus aliados vêm fazendo aos
brasileiros...)