domingo, 19 de novembro de 2017

OO INDIVÍDUO E O MUNDO. E A FELICIDADE? 18/11/2017 Com o caminhar da vida fui substituindo, mediante aprendizado e superação, o entendimento, cotidianamente ensinado, de que a felicidade é um estado adiante, a ser encontrado, por sorte, por ação divina ou por determinação inexorável do destino. Das várias instâncias formadoras de meu senso do pensar, recebi influências e ordens, invadindo-o sem piedade, direcionando-me para um entendimento abstrato e inviável do que deveria ser o bem estar, o bem viver, a felicidade, enfim. As instituições pré-existentes à minha chegada a este mundo – família, igreja, escola, imprensa... – jorravam as suas vozes influenciadoras para o interior de minha alma, desde sempre, de modo a formatá-la em consonância com o pensamento mais forte e aglutinador da sociedade que me recebeu quando nasci. Valores, costumes e quereres vinham, assim, nítidos ou desapercebidamente, ecoando e instalando-se em meu ser, dando forma e conteúdo às minhas ideias e atitudes. Quantas vezes não ouvi “o que você faz, volta para você”; “viva de boas ações, sacrifique-se, pois no final você será recompensada, ao enfrentar o juízo final”; “o que você pensa influencia o que você traz para sua vida”; “aqui é tempo de sofrimento, vida feliz será a próxima”; e tantas outras máximas, sempre gerando dúvidas, medos e inquietações, e cada vez mais afastando de minha própria autoria o encaminhamento de minha vida de maneira que eu fosse feliz no cotidiano mesmo, sem idealizar a felicidade, o bem estar espiritual, como um estágio sempre à minha frente, pelo qual eu não passara ainda e sobre o qual pairavam fortes dúvidas se seria o caso... Com o caminhar da vida, a companhia dos amigos e dos livros, com os estudos e, especialmente, com a experiência profissional e a relação com meus alunos – de Ensino Médio e da Universidade e professores (milhares) em processos de formação – vim ganhando um novo olhar sobre a vida e o entendimento sobre o seu desenrolar. Quando tomava consciência de minha alegria numa intensa mas passageira troca amorosa; quando me via quase explodir de entusiasmo diante de um aluno que demonstrava a sua linda capacidade de não se deixar enganar por algum discurso alheio que lhe queriam impingir; quando me tornei mãe, estado que transformou o sentido de toda a minha vida; com esses e tantos outros indescritíveis momentos, fui percebendo, aos poucos, aos trancos, pensatas e trocas, que as alegrias não eram perenes e podiam ser, cada uma delas, substituídas, rápida e até inexplicavelmente, por momentos de luto profundo, por outros tantos de grande ebulição de novas ideias, seguidos de uma calmaria sem fim, de ansiedade ou de uma dolente pasmaceira, de momentos que poderiam permanecer maior ou menor quantidade de tempo, em função do que a vida vinha me servindo a cada tempo. Até porque, com 15 anos comecei a perder irmãos... e o aprendizado vindo do sofrimento, e tão cedo, amplia nossa ânsia por compreender as coisas deste mundo. Dito de outra forma, ditada pelas experiências construídas em meu viver, a vida passou a ser sentida por mim como um intricado de movimentos, de tipos os mais variados, trocas de amor seguidas de incompreensões, encontros produtores de maravilhas cruzados por mortes ou perdas repentinas mesmo que em vida, prazeres em sequência, fazendo conviver a falta de apetite a instantes de apetite excessivo, quase sempre posto no lugar de alguma frustração inesperada. Uma das mais significativas conquistas que pude realizar como vivente deste mundo de lógica inexplicável e hermética foi a compreensão de que a agoridade é o que existe e vale. É o agora, com o que vem e com o que podemos fazer com ele. Podemos estar planejando uma viagem a Irlanda que alguma coisa pode afastar você de tal possibilidade. Para a formatação do agora e sua maneira de se apresentar para cada um de nós e para o mundo todo (alegrias?;decepções?; indiferença?; ...?) fatores os mais intempestivos e autônomos, determinados por sei lá quem e nem em qual lugar, fruto do acaso, da física, da própria ação humana ou da combinação de um ou mais desses fatores (ou outros), definem o que surge como circunstância de vida a ser vivida: por mim, pelo outro, por todos. Nem o mundo é determinado em suas configurações mais gerais, nem eu sou sujeito capaz de fazer derrubar qualquer circunstância apenas por minha vontade ou entendimento sobre mim, sobre o mundo ou sobre as relações que se dão na vida privada ou da Humanidade em seu conjunto. Ganhar tal entendimento tem me levado a conceber a felicidade não como fim, não como etapa, não como estágio avançado da vida de cada um, como se fora um prêmio ao avançar da vida e de nosso merecimento. Momentos de felicidade são companheiros de momentos de grande infelicidade e a nós, humanos, cabe introjetar esse conceito e ganhar sabedoria para lidar com as circunstâncias e com os circunstantes que fazem parte de nosso viver. Cada um de nós acaba sendo um pouco – ou muito – autor da capacidade de viver, construindo e sorvendo o que nos agrada ao coração e eliminando as trapaças maldosas que fazem parte da vida, independente de nós, mas que nos atingem aqui e acolá. Se não eliminando-as, envolvendo-nos com elas, dialogando com o que está posto, cara a cara, evitando ampliar-lhes ou desmerecer-lhes o poder. Hoje, aqui e agora, somos felizes e/ou infelizes, acomodados ou abertos e em movimento, captantes dos movimentos do real ou aprisionados a modelos rígidos de que o mundo é de um jeito só, perpetuamente qualificado como mau, cabendo a nós esperar pela vida eterna (a outra, que virá) ou ir se amargurando a tal ponto de não ver saída e se tornar preso à imutabilidade e à desesperança. Usando de uma forma bem popular de falar disso tudo, é, sim, "tudo junto e misturado". A felicidade para mim é o ganho desta capacidade de entendimento. A felicidade é esta tal construção do entendimento de que as parcelas de amargura nos atingem e que são passageiras, como tudo. E que é preciso viver cada percalço e cada boa nova em seu caráter mutável. Saber-se dentro de um processo que gira, que segue, que não é permanente – seja o beijo do homem amado, seja o luto por sua morte – faz-nos felizes, pelo encontro de um “método” de viver – que julgo capaz de encerrar o ciclo de escravidão a nós imposto de colecionar sonhos e frustrações, colocando-nos à margem das definições de nossa própria vida. Para aqueles, como é o meu caso, que incluem em sua própria felicidade a felicidade do outro, que a tem dentro de si, como condição (condição não planejada, racionalmente incluída, mas instintivamente tida como sua) para se sentir feliz, ver o mundo num estágio de tamanha destruição de valores, dignidade e justiça, como hoje, demonstrando sem máscaras o desmantelamento da democracia liberal, traz a dor de viver (mas viver mesmo, com atenção e zelo!) mínimas parcelas de alegrias: o beijo de um filho, a fala da neta, o carinho da amiga, o banho frio no verão. É o prazer individual, agora revalorizado, sem deixá-lo passar despercebido, alçado a uma potência inesperada de sobrepujar o sofrimento vindo de fora. Reduzido, ao ponto da quase exaustão, o espaço de boas novas no âmbito do coletivo, resta, me parece, viver momentos mais que efêmeros – uma taça de vinho, um petisco raro, um mergulho, uma nova escrita, um telefonema amigo, um boa soneca ou o simples abrir de olhos pela manhã... Claro, sem abrir mão de, mesmo entristecidos, conversarmos e estudarmos para construir novos caminhos requeridos pelo mundo, dentro e fora de nós. A não resignação quanto à possibilidade de um outro mundo ser possível é, afinal de contas, o que nos acolchoa o cotidiano em nossos ínfimos segundos de brilho no olhar.


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