domingo, 19 de novembro de 2017

PAU-DE-DAR-EM-DOIDO

Triste sociedade esta que nos acorrenta a um jeito de ser e viver contraditório, dúbio, inconstante, perverso. A gente quer ser o melhor de nós e a vida nos traz tristezas, amarguras, desafios incapazes de serem medidos e superados sem grande sofrimento. 

Sei lá por qual lei da natureza, sou bem humorada, adoro rir, seja lá do que for, e vejo-me em luta constante com o meu estado d’alma, entre meus movimentos mais acesos e para o alto, e outros tantos, que me trazem para o lado mais sombrio do mundo, ao qual não consigo me furtar. É uma gangorra constante entre bondade e “beliscão bem disfarçado em braço de menino pobre”, entre lucro e altruísmo, entre excesso e carência, entre atos tidos oficialmente como terroristas e outros tantos, cujas bombas e consequências são de efeito retardatário e naturalizado (destruição em alto grau, mas a médio e longo prazos).

Mesmo que num exato momento eu esteja às gargalhadas por estar lendo um texto onde encontro a afirmativa de que “a velhice existe desde épocas bem antigas” (o que me faz imaginar a hipótese impossível do tempo anterior a esse tempo bem antigo – e rir; e a seguir em meu devaneio humorístico-filosófico: se a velhice começa a surgir num determinado tempo, por mais antigo que ele seja, há um tempo anterior ao tempo antigo, e rio um pouco mais; e a pensar no ser humano naquele tempo mais antigo... como seriam homens e mulheres quando não havia velhice?, e torno a rir; e a rir de mim mesma por tanto rir... – pois bem, mesmo que esteja nesse estado de pura galhofa (sempre estou aberta a rir de alguma coisa, é meio impressionante...), sozinha e feliz da vida, eis que me chega algum fato novo, acontecido em algum canto, mais ou menos distante do Planeta, lugayr onde já estive ou onde nunca estarei (*), a provocar entristecimento, mágoa, impossibilidade, paralisia. 

E, pior, sei lá, é a sensação inexplicável de ser um humano dividido. Se me deixo embrenhar totalmente pela dimensão da perversidade, sucumbo e nem o mais forte dos tarjas preta há de me trazer o sono a cada noite. Já, se fico no meu canto, alienada e “alegrinha”, fico sendo uma pessoa que me desconheço, pois o outro faz parte de minha dimensão de ser humano integral.  Impossível! Só me faço e existo na relação com o outro. 

De uns tempos pra cá, não tem sido raro que amigos – que antes se identificavam em sua maneira de entender e viver o mundo – andem divergindo entre si. O fato: o rato roeu a roupa do rei de Roma. Verdade! Mais ainda: a ação do roedor se deu num tal nível de destruição que há carência de material a ser cerzido, refeito, novamente posto para um uso possível. Nem o rei, muito menos a plebe ignara, está em condições de se vestir com a antiga roupagem. O rei e todos nós estamos nus!

Tenho amigos que estão propagando como saída o amor, o amor ao vizinho, sem a grande – agora inalcançável – pretensão do amor à humanidade inteira. A pretensa superação da desigualdade social haveria de ser olvidada, por inútil, tal qual vem-se moldando na realidade do agora.  A ordem é ser generoso com o próximo, próximo mesmo, no sentido físico do termo, de aqui e agora. Sobre os destinos da Humanidade, em sua rota de acentuação do fosso entre pobres e ricos, não é tarefa humana nem plausível tentar interferir. 

Perdemos, meninos, perdemos! - é o que muitos nos dizem.

Cá no meu pensar, cato minhas dúvidas, minhas tentativas, minha base teórica de entender o mundo, meus sonhos e quereres, e venho pro meu canto escrevinhar.

Que amor é este? Voltamos ao tempo "aliviador" da caridade cristã? Como vou me esquartejar e amar os próximos, esquecendo-me dos distantes?

Está bem, vamos lá, eu faço um exercício de suposições... 

Compro uns livrinhos de história para a filha do amigo humilde que está por nascer? Compro uma vez por ano os cartões dos pintores com a boca e os pés? Luto cotidianamente para combater minha má vontade com o vizinho que é agressivo com os cães daqui de casa? Sou generosa e vou além do simples cumprimento da legislação trabalhista em relação à empregada doméstica que trabalha comigo? Sou gentil com o idoso que está no ônibus e lhe dou o lugar? Combato em mim os resquícios de egoísmo e as marcas de preconceitos que incorporei pela vida afora? É assim que a banda deve tocar?

E como diluo dentro de mim a necessidade de agir em relação a quem está distante e sofre os efeitos maléficos de uma vida miserável e carregada de injustiça e sofrimento? Devo virar-me para mim mesma, consolar-me e me aconselhar a restringir-me em meus intentos e ações a quem me cerca? 
A saída se dá em âmbito individual, será assim? Eu, então, passo a amar a quem já amava – filhos, irmãos, pais, amigos? O amor é algo restrito a apenas alguns, àqueles a quem eu “naturalmente” já me entregava amorosamente? 

Ou seja: vou pelo caminho (teoricamente) mais fácil, o caminho da maioria, o caminho em linha reta sem olhar pros lados, o caminho possível, o caminho de quem tenta se livrar de sua preocupação com a continuidade das mazelas sociais?

CONSIGO NÃO! APENAS ESCREVER, FALAR, RIR E CHORAR É PORÇÃO ÍNFIMA QUE ENTREGO DE MIM MESMA PARA O QUE SE FAZ NECESSÁRIO! SOU A MAIS PURA CONTRADIÇÃO! E NAS PROPORÇÕES EM QUE ELA HOJE SE APRESENTA É DESAFIO SOBREHUMANO! NÃO QUERO MAIS BRINCAR DE SER HUMANO, NÃO! 

EU SOU MENOS EU!

(*) Em julho último, Mariana Lozza e Martin Lozza estiveram num dos bares onde ocorreram mortes, em Paris.


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