quarta-feira, 5 de abril de 2017

 

(29/05/ 2011)

Remadores - camposfotos.blogspot.com



A minha Beira Rio era mais pra cá, pro lado do Caju. Ali, no trecho em que eu morava, quase esquina da Baronesa, a vida passava de um jeito muito particular,

Nela, o Sete de Setembro era dia de acordar feliz, ansioso, para aproveitar cada minuto daquela manhã extremamente especial.  Era justamente ali em frente de casa que os colégios se arrumavam, inclusive o Liceu, ele, o colégio mais esperado do desfile. As moças e rapazes mais altos iam à frente com as bandeiras, um pelotão só de “beldades” para acirrar a minha inveja, eu que só vivia momentos coletivos de estudante, pelas ruas da cidade, quando das procissões a cada 24 de maio, dia de Nossa Senhora Auxiliadora.

Dentre os rapazes com quem dançávamos em nossas festinhas de final de semana, ali compenetrados, transformados em outros neles mesmos, cada qual com sua bandeira ao ombro, lembro-me particularmente, de Adauto (não sei se se escreve assim), lindo, glorioso, a cavalo, abrindo o desfile sempre impecável do Liceu.

Até hoje, bandas marciais me sensibilizam, a garganta fecha, os olhos, claro, como sempre, me traem, fazendo vazar desperdiçadas lágrimas pela face. Faço-me até uma pergunta diante desta recordação tão pungente: na verdade, não vem também dali a minha agudizada emoção diante das coisas do mundo? Sim, porque, enquanto os alunos do Liceu se compenetravam ao som do ritmo marcial que ali ia-lhes formando o caráter e a razão, lá estava eu, caída em lágrimas, a cada 24 de maio, diante da entrada da imagem de Nossa Senhora,  triunfal, no pátio do Colégio. Aquele “Glória Salve, Nossa Senhora! Glória Salve, Auxiliadora!” quase não me saía pela boca. Éramos centenas de mocinhas também em formação, prostradas diante da Santa, irmanadas na mesma culpa de existir, algo assim, forte demais...

 Hoje, na vida, choro ao menor indício de qualquer coisa que não seja o trivial simples. Criança, velho, oprimidos em geral, suas imagens, todas, entram pelo meu olho, atingem a região do choro fácil e me encharcam, incontidamente de choros, dos mais variados tipos. Já passei muita vergonha em cinema, os soluços quase gritados diante de alguma cena mais romântica ou triste. Mas aí até que dá pra levar. Mas o que dizer de minha primeira reunião departamental, na Universidade, o choro convulsivo diante da despedida de um colega que se aposentava, quando eu acabava de conhecê-lo ali?

Fossem as lágrimas um tipo de líquido fadado à escassez, o Green Peace já teria hasteado alguma bandeira na porta de casa. Verdade! Tanto assim que meu choro não tem mais a menor repercussão junto aos amigos e familiares. É como se, do mesmo jeito que é natural cães latirem, gatos miarem ou carne assada ter cheiro bom, é natural eu ser a pessoa que chora muito.  Ninguém nem mais vê. É olhar e virar pro lado, continuando a conversa no mesmo tom, sem dramas...

Já refletir, ter lucidez para decidir, postar a razão a serviço de uma vida melhor, aí é coisa que ainda luto por aprender, ao custo de muita terapia (e lágrimas, é óbvio) em divãs. É, parece que faltou foi desfile de Sete de Setembro em minha vida...

E, seguindo adiante, e as Regatas de 6 de agosto? Eram outras manhãs acolhidas com alegria. Acho que nunca choveu (Não se diz que em se tratando de memória ninguém é confiável)? Sempre eram dias ensolarados. Assim os recordo, pelo menos.  Aqueles barquinhos enfileirados, no Rio Paraíba, prontos para a largada, creio que sob a Ponte de Ferro, estão vivos em minha memória. Nunca entendi, intuía sua importância, mas me impressionava aquele esportista especial que ia à frente, de costas para o ponto de chegada, na contramão dos remadores, com seu corpo indo e vindo no ritmo de cada impulso, em busca da vitória. Velozes, os barcos passavam, como flechas, em frente lá de casa, cada qual com suas cores, certamente, cada qual com seus integrantes levando suas esperanças, glórias e derrotas... Para mim, era só admirar, nunca torci, nem ao menos sabia quais times estavam ali em disputa. Era como se, por mágica, de tanto em tanto tempo, sei lá por ordem de quem, aquele espetáculo se repetisse, só para alegrar a nossa infância.

Quando começo a pensar naquele Paraíba do Sul, cuja foz está lá naquele meu lugar(Atafona, único espaço neste mundo onde não vale, para mim, a ideia de que “já olhei a cidade de cima e, mesmo assim, não encontrei o meu lugar”.), desta mesma Beira Rio, surge em meu pensamento a lembrança das pranchas, barcos de madeira rústica, como umas jangadas avantajadas, de madeira bem envelhecida, impulsionadas por suas velas brancas, encardidas. Vejo-as carregadas de bananas, vindas de não sei onde, a caminho não sei de qual lugar. Desciam o Rio, talvez para deixarem suas mercadorias no Mercado Municipal, penso agora. Sim, porque, na direção de cada rua que chegava à Beira Rio (não sei se todas), havia uma escada saída da mureta do Paraíba, por onde se descia até as suas águas. Na esquina lá de casa, havia uma delas, de pedra. Dali não nos aproximávamos, pelo potencial perigo de fazer chegar ao Rio.

Para fazer graça, muito ao meio jeito, registro que era mais ou menos como no Sena, em Paris. Só que lá se caminha pela beirada do Rio. O nosso Paraíba, bem mais modesto, ciente de que dele não se aproximou nenhuma Maria Antonieta, nenhum Voltaire ou Ronet, permitia menos, era descer a escada, tocar as águas do Rio e retornar à calçada da rua. Sem fotos.

(postado originalmente no blog dijaojinha.blogspot.com)

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