Maio/2015
Dia de renovar passaporte, me empeteco toda para a foto que virá, coisa discreta, claro, mas produzindo o devido realce nos olhos, estes mesmos que andam teimando em se esconder sob a pálpebra preguiçosa, pela mania estranha dessa traiçoeira de cair e fazer, dos meus já pequenos olhos, duas continhas vagabundas, menores do que aqueles grãos que, na história infantil, ficaram sob o colchão da princesa e que, mesmo ínfimos, foram por ela descobertos, tamanha o conforto que conhecia, como filha dileta do rei.
Junior me pega em casa, como é de praxe quando é o caso de haver muitas atividades seguidas uma da outra.Daí, sentindo-me com possibilidades de não fazer feio perante a máquina digital que viria a fixar minha imagem por mais uns tantos anos no livrinho verde que me abre as portas do mundo (se eu tiver alguns euros acumulados, evidentemente...), e lá vamos nós... E vamos, atualizando nossas novidades, amigos que já nos tornamos pelos anos de vai-lá-vem-cá, ele dirigindo e eu ao lado, a caminho de algum canto. Até a Campos ele já foi me buscar numa das vezes em que peguei o rumo de minha casa de origem, desistindo de ser amada-cotidiana-amante, pelas extremas dificuldades que vi, vejo e verei no indecifrável ofício de ser esposa. Baixou a "neura", liguei e, em poucas horas, lá estava ele para me resgatar...
Interrompendo nossa animada conversa, eis que atendo ao telefonema matinal da filha querida, quando nos abençoamos com nosso amor recíproco e com alguma ordem que ela me dá, e que eu cumpro (ou não), dependendo do meu estado de espírito na hora que o verbo imperativo ecoa do outro lado da linha. A última, um dia desses, foi para eu ir o mais rapidamente possível tomar a vacina dos velhos. Fui, estava em estado cordato de existir, protegi-me, mas à custa de mais de uma semana de desconforto no local da aplicação, uma coceirinha pra lá de chata no braço esquerdo. Filho é um ser deveras vingativo: descontam as ordens que demos na infância, e com altos juros, por puro exercício de domínio afetivo.
Hoje, o que quis contar pra ela foi a beleza de programa de ontem à noite e, devo confessar, percebi em seguida, não foi lá uma boa ideia. O relato feito à filhota do quanto gostei da peça PERDAS E GANHOS, com Nicete Bruno, divina, que me tomou por inteiro, não se deu bem com o fato de meus olhos estarem delicadamente pintados nesta manhã de segunda-feira. É que, só a lembrança da peça me fez repetir, de maneira totalmente desnecessária, o triste espetáculo da véspera, quando me vi, do início ao fim da recitação dos textos, em pranto soluçante, daquele que o nariz entope e nada resolve o problema do ar que se vê impedido de transitar pelas vias aéreas, pondo em evidência o mais inoportuno funga-funga de quem é chorão além da conta.
Precavida (ou vaidosa?), desligo rapidamente. "Mari, meu esforço de me embelezar está indo por terra. Depois falamos..."
E agora estou eu aqui, com os olhos espremidos, na sala de espera do setor de passaporte da Polícia Federal retocando a maquillage. Tem jeito, não! É sina! Que miniatura de olhos é esta que me arranjaram? Sou de junho. Não fui feita em verão de Atafona, é isso! Fosse eu obra e graça daquele luar, eu teria olhos de ver estrelas, de ver mares, de ver muitas coisas mais. E, para tanto, um mínimo de dignidade – em milímetros – haveria de existir abaixo dessas pálpebras dorminhocas. Sem exagero: esses olhos estão menores que o par de ervilhas da historinha da princesa...
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