Sem chorar, em intervalos em que rio, sorrio e me equilibro. |
LÁGRIMAS INCONTIDAS
(Ensaio?/Crônica?/Artigo?
– gênero aberto)
29/01/2017
Quando a amiga me emprestou aquele livro que contava a
história das lágrimas através dos tempos, tomei-me de uma surpresa em dose
potencializada. Que raro, meu deus! O que eu ia sabendo sem chegar ao topo da
montanha do entendimento, atingiu o cume e se fez consciência. Ficava nítido
ali que realmente tem gosto pra tudo e gente que estuda qualquer tipo de coisa.
A vida encaminha, sem anunciar explicitamente nada com nome e conceito,
revelando dados daqui e dali, o sujeito recebe o que lhe vem da vida e, em
função de seu íntimo e das marcas de sua historicidade, acaba por cumprir o que
lhe chega para dali se construa algo. E, sem se dar conta dos limites de sua
autoria naquela decisão, cumpre o traçado, acolhe e traz a si, com o cotidiano
intermediando o que lhe vem de fora e o que de dentro responde.
Só não me perguntem por quem essa trama toda é definida,
pois nem de longe desconfio. O caso é que tenho visto que autoria mesmo, esta que
para muitos lhes define como sujeito, ela é muito mais reduzida do que pode
supor o “autor” de qualquer façanha enquanto vai indo adiante em seu trajeto
vitalício. O estado de dúvidas com o qual convivo a respeito é permanente, mas nunca
a ponto de me tirar o sono nem me impedir de avançar, tomar as rédeas do ir, dialogando
em atos com as circunstâncias e seus circunstantes. Vivo e vou vivendo mesmo
que ainda não tenha consciência da intensidade – maior ou menor – da minha porção sujeito e
da minha porção objeto diante do que trilho a cada dia. Sabe-se lá em que curva
da vida, a criatura se depara com uma necessidade tão específica e inusitada e lá
vai ela atrás de um maior entendimento quanto a nuances, gêneses ou sabe-se lá
o que mais a respeito daquilo com que tropeçou no meio de seu caminho.
O livro me soou bastante interessante e eu recomendo, pelo
jeito como vai tratando do que motiva a lágrima aqui e ali, em tempos dantanho
e mais prá cá. Sobre ele, é o que tenho a dizer. Ele foi o que me chegou da
vida lá fora para eu falar do que vai aqui dentro...
Fiel ao que acabo de expor e dividir, avalio que, pelo amor
a mim mesma e pelo irrestrito interesse que mantenho com minha própria história,
sei bem que o meu abraço tão acolhedor em relação ao tema CHORO não é gratuito
e tem raízes nas minhas próprias lágrimas e em sua presença tão corriqueira em
meu cotidiano. Choro a não mais poder. Choro por tudo. Na contramão de Paulo
Vanzolini, em sua composição em que afirma que “ali onde eu chorei qualquer um
chorava”, comigo a barra pesa um cadinho mais. Cadinho, nada! Choro por coisas
e pessoas sobre as quais não suspeito quem mais possa ter chorado. Os de perto,
nem se dão mais ao trabalho de fazer olhar de soslaio para conferir ou nem mais
indagam o motivo que faz a voz ficar tremida ou a face orvalhada das sobras que
a percorrem, escorrendo dos olhos até onde der. Dependendo da intensidade e não
sendo interrompidas pela mão que trata de recolhê-las na maior sororidade
(adorei descobrir esta nova palavra!), atingem a blusa bem na altura do peito
que lhes serve de anteparo. E tudo segue. Choro, o choro é meu e eu que me vire
com aquele líquido desperdiçado (?) a cada tanto.
Vida que segue, mas leva a pensar... Se fosse apenas quando estou só, mas, não, o
choro não tem cerimônia com ninguém. E há circunstâncias especiais que são mais
provocadoras. Sem que seja sob efeitos externos, os casos são mais restritos. Sozinha,
quieta no meu canto, só choro mesmo é de saudade e por uma brutal decepção que
tive com uma grande amizade. Saudade de quem se foi e do grande amor perdido. Sem
hora marcada, a dor retorna e eu choro. E isso é realmente quando estou só e
sem nenhum estímulo a mais. Vem a vontade e me invade, quando vejo já sou a
elas totalmente submetida. A elas, quem? Ainda não ficou claro? Sim, às
lágrimas. Às vezes até acompanhadas de alguns gemidos de matar de tão sofridos.
Quero lembrar agora, não.
Com estímulo, o leque se abre bem. Mergulhando em Atafona,
é só dar vez a vontade e ao gesto de impulsionar o corpo para a frente e furar
a onda que se aproxima que antes do retorno à tona, algo, com certeza, há a
mais de úmido em minha face do que a simples água amorenada daquele meu mar. O
sentido nessa hora parece ser de libertação e indisfarçável necessidade de
recepção de acolchoamento interior para seguir a vida.
Fotos ou vídeos de Luna também são imbatíveis conclamadores
de lágrimas. Raros são aqueles que não me fazem chorar de amor e de vontade de
que a presença dela seja, mais do que um registro, uma viva continuidade dos
momentos em nos termos de perto uma a outra, integralmente em nossas
brincadeiras de tentar ser gente juntas.
Havendo música, aí é que beira ao inexplicável e a explosão
é totalmente desavergonhada. Desrespeitosa de maneira indevida com quem puder
estar por perto. Quem quiser que evite olhar e vire seu rosto pro outro lado,
disfarce como puder e quiser – pegue o celular, mande uma mensagem, assobie ou
aproveite o embalo e chore também. Não serei apenas eu a ter motivos de sobra
pra chorar. A vida anda maltratando duro e não só a mim.
Nesses momentos, o choro é o sujeito da oração e chega
independente de espaço ou tempo, aporta e me arrebata (Também adoro o verbo
arrebatar!): tanto posso estar na rua, na sala de espera do dentista, no
Municipal do Rio, na rede ou no raio que nos parta a todos.
Como o fundo musical parece ser proeminente como indutor às
minhas lágrimas, penso muito mais em seus desígnios e possibilidades. Perco
tempo elucubrando suas maneirices e perco-me em busca de indícios... Assim é
que ando tendo uma desconfiança – e que vem-se acentuando nestes últimos tempos
– , a de que o tipo de nota musical que integra a melodia, algumas delas
facilitam mais o acionamento da função “lágrimas já”. É que, tenho a nítida
sensação de que os bemóis e sustenidos parecem ser mais escavadores das
profundezas do sentimento. A algumas notas, claro que combinadas com outras,
pois que sozinhas são pouco férteis e provocativas, deve ter sido dado, por algum ser
superior, um Bach, Tom ou Chopin da vida, um poder a mais de fazerem emergir
aqueles sentimentos mais fundos. Assim como agulhas ou qualquer
outro instrumento mais pontiagudo que corta com mais facilidade alguns tecidos,
os sustenidos e bemóis têm, sei lá, a
potencialidade de abrir a correnteza das dores e inconformismos, saudades e
emoções que não se bastam sem algum tipo de choro que nos preserve a vida. Quando
nossos ouvis captam seu som, se não chorarmos, me parece, sucumbimos. Há que
ser chorada a emoção. Submissão total - não passa por mim a decisão sobre a
conveniência ou não da descarga líquida. Sem esse extravasamento, sobre o qual
não tenho o menor controle, talvez o alma não pudesse conter suas dimensões sem
explodir, e até matar.
O que anseio, ao falar disso
publicamente, é encontrar alguém que faça ou já tenha feito algum estudo sobre
o que provocam melodias na alma humana, tal qual Anne Vincent-Buffault produziu em
relação ao tema da lágrima, ela que se dedica a estudar a história da
sensibilidade humana.
Alguém aí? Não que eu não vá
continuar a chorar ante notas musicais deste ou daquele tipo, mas seria tão
mais virtuoso e consistente saber um pouco mais da teoria que me conduz à
prática de tamanha exposição e insubordinação diante do que é mais usual entre os humanos
com quem convivo...
Ainda bem que sou também dada a risos,
tímidos, leves, fartos ou até espalhafatosos. Pelo menos dou conta de viver de
modo mais ambivalente. Pior seria ser taxada como um bloco unitário que só
pende para um lado só, e o da tristeza, o que, para mim, pelo menos, seria
lamentável. Convivo muito bem com a busca e o encontro daquilo que, sem que
saibamos também bem o porquê, traz uma boa gargalhada à face, cobrindo de
ressignificação e de pureza o ambiente,
por ser fruto de algo que, vindo de outro coração, pode transformar o insosso,
o invisível, o irrelevante num outro acontecimento carregado de viva em novas bases.
Lágrimas ou risos, menos a mesmice e a superficialidade! E que nada nos sujeite a ser de um jeito só, imutável, em linha reta. Isso, não, por favor!