INADEQUAÇÃO
Está na esquina, quase chegando à nossa casa, entrando pela fresta que encontrar aberta. Bem que eu me assegurei de que portas e janelas estivessem escancaradas, até mesmo aquela porta pirracenta, lá no quarto pequeno, que às vezes arranha o chão para se abrir de vez, até ela eu forcei para estar em estado de entrega total, simbolicamente de braços abertos e receptivos para a chegada do sentimento renovador comum aos dezembros que já vivi até aqui.
Mas, nada, nada provoca o efeito desejado. Por mais que estimule, de dentro de mim, a saída de algum vestígio de sentimento de boa-vontade, de fé no que virá, de um ansiado e milagreiro entusiasmo para a renovação que costuma impregnar os corações com a passagem do ano, nada se move na direção do abraço de boas vindas à "novidade". Desconfio de que tracei estratégias apenas no nível objetivo, sobre o que racionalmente tenho controle. Na alma mesma, naquilo que genuinamente brota, as portas estão cerradas pela descrença e inaceitação do absurdo em que vem-se transformando a existência no Planeta. Lá longe e aqui no quintal de casa. Mesa posta,sim, mas falta de ganas de aprontar o ajantarado.
Mas, tenho bom coração. Ou pelo menos é no seu lado menos azedo em que tenho investido. Vou então insistir. Não mexerei na arrumação do aconchego que tento promover. Tudo permanecerá intacto e em estado de alerta. Mas, sei não, me parece que o que dará mesmo pra fazer será ficar recolhida com as crias, Mari no meu colo entregue ao meu cafuné, Martin a lançar mais uma de suas frases irreverentes e provocadoras do nosso riso, Mido a me chamar de “sogrita” com todo o afeto do mundo, Luna a iluminar meu semblante só pelo fato de chegar aqui; e eu a ficar um pontinho acima pelo prazer do vinho e da simplicidade destes momentos a quatro... Fora isso, o trivial simples, para mim sempre recebido como um manjar dos deuses: estar com as pessoas queridas e a elas dizer de bem recíproco que nosso amor nos traz; receber como benção da vida as graças que a natureza e a amizade vêm nos trazendo através do tempo; e, para culminar, na noite de Natal, cantar Parabéns para Jesus, como quando fazia quando os filhos eram crianças. Vamos ver se consigo. Nada além. É o que consigo ter pra hoje.
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