(escrito em 19/01/2017)
O NOME DAS COISAS
No interior da barraca, de porta aberta,
Tom viu as latas de óleo, havia só duas latas, e um balcão em que havia um
prato com açúcar-cande quase estragado e barras de alcaçuz, também muito velhas e cobertas de poeira, e cigarros.
(Trecho do livro "As Vinhas da Ira" cap. XII, de John Steinbeck).
(Trecho do livro "As Vinhas da Ira" cap. XII, de John Steinbeck).
Ler nos leva a caminhos totalmente surpreendentes,
insuspeitos, inimagináveis. Ler, trato logo de explicar, lendo com olhos, mente
e coração de braços abertos para entender, para interpretar, para avançar no corpo
e na alma do que é lido.
Eu já li, por exemplo, de Roberto Pompeu de
Toledo, até falsamente atribuída ao imortal Drummond, a indagação sobre quem
teve a ideia de repartir o tempo em fatias, ideia sempre revisitada por ocasião
das ilusões (permitam-me!) de final de ano e trocada à exaustão entre conhecidos
e amigos, em seus ditos realimentadores de ânimo sempre que o tempo troca de
roupa, a cada 365 dias, ao menos na aparência.
Agora, sou apresentada a uma palavra totalmente
desconhecida para mim. Palavra bonita. Sedutora. Talvez até por sua
invulgaridade, eu que sou de um mundo em que o diferente logo chama a atenção. Palavra
esquisita. Daqui não é. Tem jeito de andarilha, de ter vindo de bandas d’além.
A palavra é ALCAÇUZ.
De onde terá saído? O que será? Antes de nomear o local onde se inaugura a era
da barbárie mais candente, o que era? Aos meus ouvidos, Alcaçuz soou como um nome
poético, quem sabe de origem árabe, o AL me convida a conjecturar assim, distante
dos sons mais comuns com que convivo e que tenha algum sentido aos meus ouvidos
brasileiros, lá do interior da terra do cabrunco.
E eu quero ler. Quero, necessito, tentarei. E
ler daquele jeito como falei dijaojinha, daquele jeito que entra e sai da
leitura no gozo da descoberta, do encontro, do trabalho com as palavras. E fui
atrás de sua história, do seu significado, da sua origem. Não ousava nada muito
profundo, nenhuma pesquisa de especialista, nada disso, apenas querendo me
situar. Cidadania viva. Aliás, não consigo dar conta de nenhum tema sem olhar
nos olhos de seu nome. É um começo pelo qual me afeiçoei enquanto vim cruzando
os caminhos desta vida. Não foi assim que fui atrás de meu nome e descobri o
verbo carmear, que congrega a ação de desfazer nós? Pois é...
E o que é ALCAÇUZ?
Espanto! Quase susto!
Alcaçuz é uma leguminosa,
originária da Europa e da Ásia, cuja parte
mais usada é a sua raiz adocicada, rica em glicirrizina, com diversificado uso
na medicina natural. Produz adrenalina e auxilia no tratamento de úlceras de estômago, tosses,
amigdalite, rouquidão, feridas e furúnculos; em bochechos cura inflamações
bucais e combate aftas; combate conjuntivite aguda; indicada para ações para
conforto do aparelho gastrointestinal, até mesmo contra refluxos; eficaz para
os músculos e articulações e contra artrite reumatoide; há indícios de que
combata cáries e recupera o doente de esgotamento crônico e até mesmo do cansaço
da menopausa. Suprime a secreção do antígeno do vírus da hepatite em pacientes
infectados. Combate virores, dentre elas o HIV, a Hepatite C e o herpes.
Planta selvagem, é alvo de estudos publicados de
vários autores sobre sua ação antiviral, é usada na fabricação pastas, licores e até
xaropes para as confeitarias, sua
forma é de um arbusto, com floração garantida todo ano, sendo suas flores de um
róseo arroxeado, em cachos, e seu fruto uma vagem alongada, cada qual contendo
de 3 a 5 sementes marrons, prontas para perpetuar a espécie. Cresce
naturalmente em lugares planos e secos, bem como em solo arenoso das bacias dos
rios.
O seu uso de forma medicinal é um
dos mais antigos registrados, chegando até a ter sido relatado pelos egípcios
antigos em seus papiros e tendo tido suas virtudes apontada também pelos
gregos.
Li e reli. Comparei e analisei. Juntei
fragmentos e raciocinei. Por agora – com certeza outras inquietações virão
adiante – particularmente chamou-me a atenção a capacidade da Alcaçuz trazer
aos humanos uma maior facilidade de acesso ao ar que nos garante a vida. Sim,
recomenda-se com destaque o seu uso para bronquite e asma. Veja só: coisa de
dar vida, de trazer conforto. De abrir pulmões ao mundo. Nada a ver com morte e
encerramento do ciclo de absorção do oxigênio, este mesmo que nos coloca de pé
e sem o qual fenecemos.
No Brasil, Alcaçuz é nome de um
presídio, situado no Rio Grande do Norte, inaugurado, em 1998, na gestão de
Garibaldi Filho. É um dos locais onde nos últimos dias se inaugurou uma nova
indústria, a de matar presidiários de maneira trágica, desapiedada, covarde,
animalesca.
Aí, comovida e vivenciando dúvida similar à do
escritor que se perguntou sobre quem teve a ideia de dividir o tempo em fatias,
eu também indago aflita: quem teve a ideia de nomear um presídio com nome de uma planta
tão generosa, tão pronta para facilitar a vida, tão à mercê de um uso
humanitário tão amplo? O que há que ligue uma coisa a outra? Quais nexos entre
a planta e o presídio?
Vou ter que estudar mais. Foi muito pouco.
Incipientes as informações. A grandiosidade da planta não parece combinar com
um local de aprisionamento, infelicidade e, mais recentemente, barbárie. Vou
adiante e conto com o mundo em meu auxílio. Os nomes, ao nomear, encaminham configurações,
entendimentos, possibilidades e impedimentos, não absolutos, mas reais.
E isso tudo na terra do grande e inesquecível Moacyr
de Góes, o que amplia a beleza da planta e torna ainda mais fúnebre o destino
que dão à planta feita nome de um local de morte e horrores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário