segunda-feira, 14 de agosto de 2017

UMA TARDE NUM POSTO DE SAÚDE

Quatro horas num posto de saúde é tempo suficiente para termos cenas a observar das mais interessantes... Muita coisa a nos fazer pensar na vida e em seus circunstantes...
No geral, no quesito saúde mesmo, foi tudo bastante louvável:  ambiente no geral limpo, pessoal da limpeza ágil, parecendo trabalhar num clima leve, o banheiro mais junto à porta de entrada bastante sujo, mas, a meu pedido, foi logo limpo e voltou a ficar utilizável.

O atendimento, de modo idêntico, bastante bom. Um pouco da Argentina ou de um pequeno país da Europa ao nosso dispor. Estados Unidos, claro quer não, onde tudo é pago, obrigando o sujeito a pensar algumas vezes antes de ir a um hospital em busca de ajuda para um simples corte no pé. Aqui, ao contrário, no popular Largo da Batalha (preciso pesquisar o porquê deste nome), um baita exemplo de bom funcionamento do nosso SUS: exames de sangue e de urina feitos na hora, com uma espera razoável para se ter o resultado, diagnóstico feito em seguida, com entrega da medicação indicada, dando mostras de um entendimento certeiro quanto às reais necessidades da população: consulta com viabilidade de tratamento, no mesmo pacote oriundo dos nossos impostos pagos para tal. Enfim: horas de boa surpresa quanto ao nosso serviço público de saúde.

Mas, o genuinamente delicioso – que me fez não sentir as horas passarem, enquanto o filho vivia as fases do atendimento –, foi observar o povo em seu comadrio, em seus rostos, em seus trajes, em suas manifestações espontâneas e no que deixam de transparecer de seus jeitos de ser e viver. Isso tudo, aos olhos de uma maníaca por gentes e por observações a olho nu...

Num canto, pero da porta, três mulheres conversavam às gargalhadas, mais ou menos estridentes, sem se importar com quem estivesse ao lado e pudesse tomar ciência das trocas que, com jeito tão faceiro, trocavam entre si, num ar malicioso, que me deu cólicas de não estar perto para ouvir.  Tive que me ater às minhas suposições que, claro, passaram por imaginar alguns homenzinhos sendo alvo de futricas, um ou outro triângulo amoroso sendo motivo de troça, e coisa e tal. Com certeza, o chão da vida e os casos do coração sempre emblemáticos e dignos de atenção de nossa parte eram parte da inspiração para aquela "hilária  conspiração"... Se é fato, não tem a menor importância. Imaginei, tá imaginado...

Chamando minha atenção de maneira rasgada, o cabelo das inúmeras mulheres, maioria dos que buscavam atendimento. Não importava a cor da pele ou das madeixas, nove entre dez moçoilas, até de mais idade, a zanzar da porta ao balcão e dele  aos bancos, no conjunto do espaço da Recepção, eram portadoras de algum tipo de tratamento destes que alisam a cabeleira de maneira abrupta e radicalizada. Fios que vieram ao mundo mais – ou menos – crespos, louros, castanhos ou negros, estavam ali diante de meus olhos totalmente artificiais e com as pontas em geral esvaídas, imagino que pela força do produto a que foram submetidas. Mais artificiais do que flores de plástico em lojinha de 1,99. Uma verdadeira febre! Fico até tentada a generalizar e imaginar que Nossa Senhora dos Cabelos Lisos tem mais adeptos do que Cosme e Damião ou Santo Expedito (de quem tenho, por sinal, ouvido falar muito bem ultimamente).  E não deu pra não pensar: como ainda impera a hegemonia dos cabelos lisos da raça ariana (ou nem tanto)! Quanto fascínio pelos cabelos não autênticos! Felizmente, pude me deparar com um ou outro turbante colorido e com a soltura de cabelos enroladinhos, lindamente assimétricos ou, então, presos num baita rabo de cavalo de onde saíam livres altos cachos  dos mais legítimos cabelos afro. Menos mal! Deu para minha estatística não sair tão criminosamente contra a natureza de cada qual!

Perceber a soltura de muitos dali me pôs a rir aos potes... Mas quem não riria? Casos e mais casos a contar. Alguns sumiram da memória. Ficaram lá mesmo com minha risada entre dentes e marota...  Mas, me lembro de alguns:  o de quando um paciente saiu lá de dentro e o rapaz da farmácia lhe entregou o benzetacil receitado pelo médico, anunciando em alto e bom som o nome do medicamento. Pra quê? Quase em coro, uns dois ou três cidadãos que estavam por ali, foram animadores, sem que ninguém houvesse lhe perguntado nada: “Benzetacil??? Isso dói!!!”; “”Hi, cara, prepare-se! Vai doer pra c$%#@c!!!”.

Um outro caso, pândego: o do senhor, ao meu lado, que, ao ver um rapaz novinho passar de jaleco com uma identificação que parecia ser de “médico”, não se conformou e, sem me conhecer, me lançou a grande questão: “Novinho assim, médico? Não pode ser. Será? A senhora conseguiu ler?” Ao meu sinal negativo, levantou-se e, mal disfarçando sua intenção, foi até o lado do moço, percorreu com os olhos atentos o que estava registrado em seu crachá e veio, feliz pro meu lado”: “Logo vi, não poderia ser. É maqueiro”. Sua curiosidade foi satisfeita e isso fez seus olhos sorrirem para mim, com profundo agrado!

E foi este mesmo senhor que me fez “cometer” um de meus tropeços... A partir da história do “eme”  do crachá ser de médico ou de maqueiro, entabulou uma conversa sem fim comigo. Falou mal de todos os políticos brasileiros e, a cada comentário, queria localizar um vídeo em seu celular para me mostrar alguma denúncia contra A, B ou C. E, o melhor, só envolvendo golpistas de primeira hora: Temer, Renan, Moreira, o menino do Cesar Maia, Cunha, a mulher desse, só gente fina... Quando eu vi que na lista dos perversos não havia ninguém que fosse “do meu lado”, animei-me toda para aferir o que aquele “representante” do povo anda pensando sobre 2018, e me saí com esta, não sem antes me aproximar um pouco mais do meu interlocutor: “E em 2018? Será que Lula volta?”.  Tadinha de mim! A resposta veio quente , e apoiada enfaticamente por um vizinho do banco da frente: “Lula? Este é o pior! Tem que ser preso!”

Vã esperança! Prontamente me dei conta do aprendizado – este, bem sério! – de toda aquela tarde: ao que parece, são tempos de terra arrasada – o PT no governo pôs em prática políticas sociais louváveis, mas ter jogado o jogo do inimigo, em seu campo e mediante suas regras, coloca para muitos e muitos e muitos a pior perspectiva para quem antes acreditava que podia haver alguma coisa diferente na política e que zelasse pelo interesse da população. Hoje, é mais do que visível o entendimento de que são todos farinha do mesmo saco e de pouco adiante nossa interferência para alguma coisa mudar. Ou seja: a curto prazo, uma melhora, a médio e longo prazo, doloroso retrocesso em termos democráticos e de justiça social...

A tarde, enfim, deu pra rir (no varejo), mas também deu pra chorar (no atacado).

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