sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

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MEU NOME É RANCOR

(2/2/2017)




Na TV ligada, não há voz grave e pausada. Nem destaque especial no noticiário. Plantão permanente na porta do hospital? Que nada! Cobertura ao vivo e em cores de largo tempo? Pra quê? Por conta da saúde e anunciada morte de Marisa Letícia? Que besteira! Há outras prioridades. O Maia e o Eunício são pautas mais relevantes. “Estes, sim, são gente como a gente”, parecem deixar claro os editores dos noticiários. Cuidado na troca de assunto? Pra quê? Sem o menor respeito, pode-se passar da notícia de que os órgãos já estão sendo doados e entrar no anúncio de que se tratará de marchinhas de carnaval no programa da ex-mulher do Bonner. Está tudo certo. Quem morre não é uma dama da sociedade. Aí, sim, teria até marcha fúnebre ou algo tão enlutado quanto. Quem morre é uma empregada doméstica que ousou sair de seu lugar de origem e virar primeira-dama e – pior! – se tornar marcante mundialmente pelo tempo que contou com seu homem à frente de um governo que teve um olhar diferenciado para os desvalidos da sorte (E, olhem que o fez mordendo e assoprando, na maior conciliação com os de sempre...). O mínimo é a punição com a indiferença e a falta de cuidados. Fará falta alguma – parece ser o implícito ao fato.

Coloca um samba aí, ô contrarregra, que o carnaval está na esquina. Isso é o que conta. Já vai tarde essa presunçosa criatura que teve a audácia de ser tratada em hospital de gente rica. Mas, bem feito!, era tão pobre, tão casca grossa, que pra seu corpo parco não fizeram efeitos as mágicas da medicina privada do país. Talvez, realmente, no SUS estivesse mais entre seus pares, entre quem talvez fosse mais próximo para entender seu apoio ao marido, sua contribuição à causa da redução da desigualdade, sua postura de facear o companheiro em suas ações de luta (lá atrás, quando o PT era o PT e não esta coisa disforme de hoje que apoia de Picciani a qualquer outra “força política” destas que andam envergonhando o país e suas gentes de bem).

Não sou mais a mesma. Sou hoje uma pessoa pior do que ontem. O coração vai se entortando pro pior lado. Está mais com cara de intestino. A desilusão é a minha maior porção. Estou com medo de mim. O rancor me habita e consome.

Acabe de morrer em paz, dona Marisa! Minha voz é pouca, rouca, louca. Mas sei que não é solitária. Há gente demais, e gente de bem, a seu lado, agradecendo pelo que fez por nosso país.
Eu, particularmente, como mulher, me orgulho de ter alguns traços – poucos que sejam – que me identifiquem com uma mulher que soube amar e teve como marca o “braço dado”, a solidariedade, o estar com. Disso eu entendo um pouquinho e gosto de ter esse anteparo para me defender de uma amargura que me tome de vez.

Obrigada, minha senhora!

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