MEU NOME É RANCOR
(2/2/2017)
Na TV ligada, não há voz grave e pausada. Nem destaque especial no
noticiário. Plantão permanente na porta do hospital? Que nada! Cobertura ao
vivo e em cores de largo tempo? Pra quê? Por conta da saúde e anunciada morte
de Marisa Letícia? Que besteira! Há outras prioridades. O Maia e o Eunício são
pautas mais relevantes. “Estes, sim, são gente como a gente”, parecem deixar
claro os editores dos noticiários. Cuidado na troca de assunto? Pra quê? Sem o
menor respeito, pode-se passar da notícia de que os órgãos já estão sendo
doados e entrar no anúncio de que se tratará de marchinhas de carnaval no
programa da ex-mulher do Bonner. Está tudo certo. Quem morre não é uma dama da
sociedade. Aí, sim, teria até marcha fúnebre ou algo tão enlutado quanto. Quem
morre é uma empregada doméstica que ousou sair de seu lugar de origem e virar
primeira-dama e – pior! – se tornar marcante mundialmente pelo tempo que contou
com seu homem à frente de um governo que teve um olhar diferenciado para os
desvalidos da sorte (E, olhem que o fez mordendo e assoprando, na maior
conciliação com os de sempre...). O mínimo é a punição com a indiferença e a
falta de cuidados. Fará falta alguma – parece ser o implícito ao fato.
Coloca um samba aí, ô contrarregra, que o carnaval está na esquina. Isso é
o que conta. Já vai tarde essa presunçosa criatura que teve a audácia de ser
tratada em hospital de gente rica. Mas, bem feito!, era tão pobre, tão casca
grossa, que pra seu corpo parco não fizeram efeitos as mágicas da medicina
privada do país. Talvez, realmente, no SUS estivesse mais entre seus pares,
entre quem talvez fosse mais próximo para entender seu apoio ao marido, sua
contribuição à causa da redução da desigualdade, sua postura de facear o
companheiro em suas ações de luta (lá atrás, quando o PT era o PT e não esta
coisa disforme de hoje que apoia de Picciani a qualquer outra “força política”
destas que andam envergonhando o país e suas gentes de bem).
Não sou mais a mesma. Sou hoje uma pessoa pior do que ontem. O coração vai
se entortando pro pior lado. Está mais com cara de intestino. A desilusão é a
minha maior porção. Estou com medo de mim. O rancor me habita e consome.
Acabe de morrer em paz, dona Marisa! Minha voz é pouca, rouca, louca. Mas
sei que não é solitária. Há gente demais, e gente de bem, a seu lado,
agradecendo pelo que fez por nosso país.
Eu, particularmente, como mulher, me orgulho de ter alguns traços – poucos
que sejam – que me identifiquem com uma mulher que soube amar e teve como marca
o “braço dado”, a solidariedade, o estar com. Disso eu entendo um pouquinho e
gosto de ter esse anteparo para me defender de uma amargura que me tome de vez.
Obrigada, minha senhora!
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