A TAL HISTÓRIA DE QUE OS OPOSTOS SE
ATRAEM...
16/03/2017)
Tenho
uma amiga que já foi de todos os dias, de todas as horas, de todas as
confidências. Em certo ponto da vida, nossas diferenças – que sempre existiram –
numa comparação talvez mal feita, parece que viraram calos, mais endurecidas e
deixamos de estar juntas com tanta frequência. As circunstâncias também
ajudaram, não vivíamos mais próximas e passamos a quase nunca nos encontrar. Passada a ressaca de que a nossa alma
necessitou para novamente nos entendermos já numa outra dimensão de
entendimento – sabendo das diferenças e nos gostando apesar delas, retomamos
nossas conversas, sem deixarmos apenas o acaso nos colocar uma junto à outra. Hoje,
retomamos nossos encontros, num outro formato, bem mais saudável, creio eu. Há
um limite a nos separar e vale o que uma passou a ser em sua história de vida e
o que a outra passou a ser em sua história de vida. Parece haver uma certa
cerimônia diante do que nos separa, um certo zelo pelo que nos aproxima e um
certo compromisso em nunca tomar uma coisa por outra. O bom é que tínhamos e
temos todo um passado a amparar nossos encontros. Muita coisa é dispensável de
ser dita. Cada qual sabe o que a outra viveu e como chegamos até aqui. Os
prolegômenos são inteiramente dispensáveis. Mal nos vemos e o prato principal já
pode ser servido. Sem pressa, mas é ele que vem à mesa e não o que pode retardar
a sua degustação com todo o gosto e apuro.
A
última vez que nos vimos foi num lanche curto, coisa de nem 3 horas, o que para
amigas de tão longa data é um átimo, e teve como local numa deliciosa padaria
aqui de Niterói. Não deu pra muito, mas foi muito bom e do encontro saí com uma
sensação visível, palpável, quanto a nós duas. É muito interessante e de
efeitos humanos bastante fortes, a gente ter tempo em vida para arrumar o
coração e seus "enquadramentos", ainda mais para quem, como eu, mais quis
e quer viver do que fazer sistematizações sobre o vivido. A intuição me guia e
raramente a razão tem tempo de criar qualquer atalho mais pensado para que seja
tecido um caminho com maior ponderação e longo alcance. Os ferimentos da alma
parecem conduzir o comportamento de cada agoridade. Aquilo que minha história
produziu na alma de bons e maus sentimentos – frustrações, expectativas,
rejeição ou apreço – são determinantes para cada escolha feita no calor de cada
passada. É quase como uma manivela automática, que dispara ações momentâneas
sem grandes ou pequenas elucubrações. Não raras vezes, algum sujeito que cruze
meu caminho tem grandes responsabilidades acerca do que provoca em mim, de
aceitação ou rejeição. A sensação que tenho é a de que é o que ele representa,
onde ele bate no fundo de minha alma com uma sua atitude, que provoca uma dada
reação. Para o outro, sem lógica, para mim, tendo todo o sentido. Até marido já
foi deixado dessa forma e o fator determinante era muito mais do passado do que
dali, daquela hora.
Mas,
sobre minha amiga... retomando...Nossos caminhos foram bem distintos na vida.
Já éramos diferentes no trato com as coisas do viver e hoje – é o valor deste
escrito – parece que eu consigo arrumar a impressão sobre nossas trajetórias. A minha sensação é de que eu sempre me mostrei
meio (ou bastante) romântica, imediatista, e fui amolecendo cada vez mais, a
ponto de hoje viver frouxa de dor, chorosa na espera do impossível e
aparvalhada frente à dura realidade dos fatos. Quase incapaz. Desanimada. Perdedora.
Sugando do mundo alguma força que a faça seguir adiante. A amiga, diferentemente
de mim, mesmo também profundamente marcada pelo sofrimento, foi cada vez mais
ficando endurecida diante do que pôde viver, mostrando-se desesperançada,
descrente, mas com uma proteção contra o mundo que a ajuda a seguir. Como se
sem uma armadura simbólica a cobrisse inteira.
É
como sinto. O bom é que um elo nos ata e nos traz uma viva e recíproca
possibilidade de colaboração afetiva. Sinto que nos enlaçamos mutuamente em
nossas diferenças. É isso é profundamente enriquecedor. Numa síntese, parece que nos gostamos muito e
o fato de nos ver faz com que cada uma abrace um pouquinho o jeito de viver da
outra: eu menos escancarada para o lado de fora, ela com um pouquinho menos
freio diante do mundo. Talvez por isso gostemos bem uma da outra.
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