COMUNISTA? NÃO!
3/3/2015
Eleição de 1989. Um grandíssimo amigo era alto executivo de uma
multinacional. Um homem bom, especialmente bom, mas um homem do sistema. Víamos o
mundo por óticas diferenciadas. Por ocasião da eleição de 89, antes de
participar de um comício de Lula e por ele optar, o meu primeiro candidato foi
Roberto Freire, do Partido Comunista Brasileiro, grande orador, de esquerda,
com um discurso totalmente identificado com meus ideais, daqueles em que
“comunista tem que comunistar”. Tudo o que eu queria para dar meu voto!
Pois bem: haveria um churrasco no conhecido campinho de pelada
Polytheama, de Chico Buarque, lá na Barra, para arrecadar fundos para Freire
(que, aliás, hoje é um conservador de primeira!). Eu comprei alguns ingressos,
não só pelo compromisso de ajudar como também para participar do evento na casa
do meu grande ídolo, o que, por certo, haveria de ser bastante interessante. No
entanto, para meu azar, os meus amigos que eu imaginava poderem ir comigo, cada
qual estava com algum programa para o dia, e não obtive sucesso. Vários
telefonemas foram dados e nada: todos ocupados. Seria num sábado e cada qual já
tinha sua programação, desde viagens a comícios domésticos e encontros
amorosos, essas coisas de quem está por aí, como o próprio poeta peladeiro nos
ensina de “estar à toa na vida”...
Mesmo sabendo de minhas diferenças ideológicas com meu amigo, resolvo
apelar para ele. Quem sabe não topava? Até porque havia o glamour de ser na
casa do grande compositor, quem sabe conhecer Marieta, e isso seria, imaginava
eu, um ponto e tanto a favor de sua aceitação e de sua mulher para querer
aceitar. Minha consciência ética, porém, me impediu de simplesmente convidá-los
sem maiores explicações. Tanto ele teria que saber que sua presença
significaria doação para a campanha de um comunista, como, do ponto de vista do
próprio Partido, seria respeitoso levar alguém que soubesse o significado
político do campo (de futebol e da política) a ser visitado.
Que fiz eu? Antes propriamente de explicar do que se tratava, ao
telefone, como arremedo de intróito, premissa mesmo, ao que viria em seguida –
o convite propriamente para irmos ao tal churrasco – eu indaguei: “Meu amigo,
vc tem como fazer de conta que é comunista mais ou menos durante umas cinco
horas?” Ele parou por uma fração de segundos e me devolveu, sem titubear:
“Cinco horas, Carmen Lucia? Cinco? Não, querida, é tempo demais!”
E por aí ficou a minha possibilidade de ir com o casal ao tal churrasco.
O jeito foi correr atrás de outro alguém para dividir os ingressos já
adquiridos.
O churrasco foi um horror, aquele avanço atrás das carnes parcas que se
distribuía num canto do terreno, obrigando-me a ir com o meu acompanhante –
conseguido a duras penas - almoçar num restaurante ali por perto. Mas as pernas
do dono da casa valeram a pena de serem vistas em sua habilidade de jogador
correndo em campo para marcar seus gols. Que nem sei se aconteceram. Isso era
detalhe. Vi o processo (as perninhas), não o resultado (onde elas chegaram e
com qual força). Coisas de educadora que valoriza o caminhar, sem se deter
exclusivamente no final do percurso.
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