quarta-feira, 1 de março de 2017


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A VIDA DEPOIS DA MORTE
(Assunto nada carnavalesco)
1/3/2017)

A grande amiga fala de perda, de luto, de tempo de tristeza que não passa diante do término da vida de irmãos queridos.
A outra, em resposta – ao me ver afirmar, de maneira inconformada , que as perdas são irreparáveis e que a gente segue o caminho, mas o buraco fica cavado, cravado –  diz que dá pra gente ser feliz com o que se tem. E eu leio que para ela cada qual tem como se ajeitar emocionalmente apesar das perdas. O que fica, resolve, e não há de faltar combustível para fazer o barco de cada qual seguir viagem. Que se siga com as sobras. Que cada qual se refestele com o que se tem. Nada é imprescindível. Tudo pode ser esquecido.  Leio e me inquieto. Leio e me sinto sozinha. Leio e me estranho: por que em mim a dor não passa?
Verdade nua e crua: eu, que choro por muitos tipos de perda, fico cá tentando entender porque comigo as dores, algumas delas, são tão irremediáveis e doloridas. Dores que vêm o relógio passar e zomba de sua pretensão de se imaginar como amenizador de todos os lutos. A julgar pelo comportamento que tradicionalmente me compõe, percebo meu gosto por rir, mas o choro está apenas – quando está – escondido por trás de alguma ação ilusória trazida pelo cotidiano. Sou triste, a tristeza é meu estado costumeiro, principalmente quando estou só.
Não sei se me faço entender, pois sou também uma pessoa que ri do pó de café derramar sobre a pia pela manhã e (quase) nunca a minha reação é marcado pela soberba falta de paciência com os acidentes do cotidiano. Olhando a vida, sempre encontro seu lado meio escondido mas que tem algo lúdico que me faz rir. Mas, sou triste. As perdas têm uma presença sólida em minha vida. Têm vida própria. Algumas até me dão bom dia, surgindo, autônomas, sem serem chamadas, como imagens inaugurais de cada novo dia, quando retorno à consciência após uma noite de sono. E não falo apenas das perdas que assim se tornaram por ação da morte que fez com que desaparecessem para sempre. Essas constituem uma realidade inquestionável. Pessoas que não existem mais simplesmente não existem mais. Foram amores que, pela morte foram retiradas de nosso convívio e deixaram de enfeitar nossa vida. Grande perversidade, podemos pensar, mas para quem entende desde sempre a inevitabilidade do término da vida, o que fazer? Nada, acredito, a não ser chorar a ausência, relembrar, ter saudade. Não que seja simples. Não é. De modo algum é. Mas, o fato de ser uma ausência por morte nos reduz de uma certa forma a aflição, a dor, o luto. A morte, toda poderosa, encerrou aquela vida. Não depende nem de mim nem da pessoa escolhida para morrer o fato de não estarmos mais vivendo o nosso convívio. O ciclo de vida de alguém ser encerrado faz parte do jogo da vida. Dele ninguém escapa. Trata-se de uma dor sobre a qual não tive poder de evitar. O script era aquele, e foi cumprido.
A ausência que mais me derrota e traz agonia é a morte em vida. A morte de quem está vivo é que para mim é devastadora. A pessoa ali, viva, e não estar mais comigo, não fazer mais parte de minha vida, essa me sufoca, me ameaça, me fragiliza. A pessoa que é alvo de meu amor e que morreu para mim -  esse é o fantasma ameaçador e doentio.
Como lidar com uma verdade que deixou de ser verdade? Como ter o necessário equilíbrio para não considerar mentira o que um dia foi verdade? Como atribuir um tempo certo a alguma sentimento que se imaginou perene e sincero? Um sentimento que durante um tempo foi verdade, não deixou de ser verdade, mas o foi com prazo de validade? Como suportar o término de algo que nos fazia melhores, mais completos, mesmo que com percalços e algumas dificuldades? Entre as grandes aflições, as de médio porte e as menorezinhas, poderíamos ter sabido escolher com maior senso quanto ao tamanho das coisas e às nossas forças em a elas resistir sem esmorecer.

A morte em vida é que são elas...


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