A VIDA DEPOIS DA MORTE
(Assunto nada carnavalesco)
1/3/2017)
A grande amiga fala de perda, de luto, de tempo de
tristeza que não passa diante do término da vida de irmãos queridos.
A outra, em resposta – ao me ver afirmar, de maneira
inconformada , que as perdas são irreparáveis e que a gente segue o caminho,
mas o buraco fica cavado, cravado – diz
que dá pra gente ser feliz com o que se tem. E eu leio que para ela cada qual tem como se
ajeitar emocionalmente apesar das perdas. O que fica, resolve, e não há de faltar
combustível para fazer o barco de cada qual seguir viagem. Que se siga com as
sobras. Que cada qual se refestele com o que se tem. Nada é imprescindível.
Tudo pode ser esquecido. Leio e me
inquieto. Leio e me sinto sozinha. Leio e me estranho: por que em mim a dor não
passa?
Verdade nua e crua: eu, que choro por muitos tipos de
perda, fico cá tentando entender porque comigo as dores, algumas delas, são tão
irremediáveis e doloridas. Dores que vêm o relógio passar e zomba de sua
pretensão de se imaginar como amenizador de todos os lutos. A julgar pelo
comportamento que tradicionalmente me compõe, percebo meu gosto por rir, mas o
choro está apenas – quando está – escondido por trás de alguma ação ilusória
trazida pelo cotidiano. Sou triste, a tristeza é meu estado costumeiro,
principalmente quando estou só.
Não sei se me faço entender, pois sou também uma
pessoa que ri do pó de café derramar sobre a pia pela manhã e (quase) nunca a
minha reação é marcado pela soberba falta de paciência com os acidentes do cotidiano. Olhando
a vida, sempre encontro seu lado meio escondido mas que tem algo lúdico que me
faz rir. Mas, sou triste. As perdas têm uma presença sólida em minha vida. Têm vida
própria. Algumas até me dão bom dia, surgindo, autônomas, sem serem chamadas,
como imagens inaugurais de cada novo dia, quando retorno à consciência após uma
noite de sono. E não falo apenas das perdas que assim se tornaram por ação da
morte que fez com que desaparecessem para sempre. Essas constituem uma
realidade inquestionável. Pessoas que não existem mais simplesmente não existem
mais. Foram amores que, pela morte foram retiradas de nosso convívio e deixaram
de enfeitar nossa vida. Grande perversidade, podemos pensar, mas para quem
entende desde sempre a inevitabilidade do término da vida, o que fazer? Nada,
acredito, a não ser chorar a ausência, relembrar, ter saudade. Não que seja
simples. Não é. De modo algum é. Mas, o fato de ser uma ausência por morte nos
reduz de uma certa forma a aflição, a dor, o luto. A morte, toda poderosa,
encerrou aquela vida. Não depende nem de mim nem da pessoa escolhida para morrer o fato de não estarmos
mais vivendo o nosso convívio. O ciclo de vida de alguém ser encerrado faz
parte do jogo da vida. Dele ninguém escapa. Trata-se de uma dor sobre a qual
não tive poder de evitar. O script era aquele, e foi cumprido.
A ausência que mais me derrota e traz agonia é a morte
em vida. A morte de quem está vivo é que para mim é devastadora. A pessoa ali,
viva, e não estar mais comigo, não fazer mais parte de minha vida, essa me
sufoca, me ameaça, me fragiliza. A pessoa que é alvo de meu amor e que morreu
para mim - esse é o fantasma ameaçador e doentio.
Como lidar com uma verdade que deixou de ser verdade?
Como ter o necessário equilíbrio para não considerar mentira o que um dia foi
verdade? Como atribuir um tempo certo a alguma sentimento que se imaginou
perene e sincero? Um sentimento que durante um tempo foi verdade, não deixou de
ser verdade, mas o foi com prazo de validade? Como suportar o término de algo que nos fazia melhores, mais completos, mesmo que com percalços e algumas dificuldades? Entre as grandes aflições, as de médio porte e as menorezinhas, poderíamos ter sabido escolher com maior senso quanto ao tamanho das coisas e às nossas forças em a elas resistir sem esmorecer.
A morte em vida é que são elas...
A morte em vida é que são elas...
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