quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O BAILADO DAS BALAS
28/09/2013 (Escrevi antes, postei neste dia)
Na esquina lá de casa com a Rua da Baronesa tinha uma venda onde eram vendidas balas de goiaba, umas balas duras como nenhuma outra e tão deliciosas a ponto de provocar esta viva rememoração. Sua cor era de goiaba mesmo, eram meio brilhosas, quadradinhas, exquisitas, diriam os argentinos...
Mas neste texto que brota sei lá de qual rincão de minha história, a bala de goiaba entra mesmo só para anunciar o que virá, tal qual uma hipotética participação dos nossos Paralamas abrindo um show dos Rolling Stones, antes dos ingleses cantaram, para delírio geral, a sua histórica Satisfaction.
Pois os Rolling Stones, o show principal a que quero me referir aqui são o bailado que as habilidosas mãos do balconista da venda da esquina faziam para embrulhar as balas compradas pelas crianças da vizinhança.
O papel era acinzentado, rústico, meio manchado, até lembrando os reciclados de hoje em dia, e era puxado de um tipo de bobina serrilhada, grandona, postada atrás do balcão, de onde o artista puxava e cortava o pedaço que queria, maior ou menor, de acordo com a quantidade de balas a embrulhar.
Postas as balas no centro do papel, dava-se início ao bailado. Com ambas as mãos, como se fosse uma daquelas donas de casa argentinas processando suas rechonchudas empanadas, ele vinha dobrando as abas do papel, uma após outra, como uma empanada mesmo, até chegar ao último ato: era quando o moço, artista anônimo de minha esquina, de quem não me lembro a face, apenas o gesto, lançava o pequeno embrulho em volta dele mesmo, numa volta inteira pelo ar, firmando-o pelas últimas dobras já feitas, uma em cada mão. O resultado era um perfeito pacotinho de balas, com os dois “chifrinhos” enroscados, um em cada ponta, milagrosamente surgidos como seu derradeiro fecho. Era coisa de Terceiro Ato mesmo. Só que, para mim, ali o cisne sempre revivia, como se contássemos, como fundo musical, com o som da mais cristalina execução do eterno Tchaikovsky. Pura expressão de uma Arte singela, hoje viva apenas em minha memória.

A paixão que passei a ter pelo que são capazes de fazer as mãos humanas, com certeza, surge em grande medida daquele gesto – para o moço, tão corriqueiro –, e faz dele uma de minhas mais nobres inspirações.
Chuvisco com fel
28/09/2015
Saio do cinema onde fui ver "Que horas ela volta?", achando que não foi à toa que a vida me encaminhou para ver esse filme justo aqui em minha terra de nascença. Aqui eu vivi meus primeiros anos, minha formação inicial, aqui eu ouvi, como elogio, que Zebeque, o motorista de papai, "era um preto de alma branca"; também aqui, ouvi pessoas queridas, muitas delas cujos exemplos tive como aula - incessante e magna - referindo-se aos empregados como "essa gente", dando cruel visibilidade ao entendimento - tido e havido como correto e justo - de que o mundo se dividia em "nós" e "eles", piores, inferiores, e isso como jeito do mundo funcionar naturalmente; na mesma Beira Rio, banhada pelo Paraíba, meu vizinho de frente, vi crianças trabalhando desde bem meninas ainda, acompanhando a mãe lavadeira, vindo à cozinha da casa de meus pais, entrando pela porta dos fundos, trazendo uma trouxa de roupa, bem lavada e passada, vivenciando obrigações de adultos, ali, diante de mim, de idade tão próxima, mas com destino tão mais privilegiadamente delineado; vi, ouvi, absorvi, como minha natural "educação de base", que o mundo funciona de um jeito onde alguns cá estão para servir, enquanto outros para serem servidos; vi a doméstica ter seu prato preparado pela patroa, sem direito a escolher se queria um pouquinho mais de souflé ou de bife. Tudo sob as leis de Deus e a providencial caridade dos cristãos. Se algo não seguisse nessa ordem e estratificação e houvesse algum olhar dos de baixo para os de cima sem a devida humildade seria indício seguro de que o pobre era ingrato, mal acostumado, quem sabe até insolente , por "não saber o seu lugar" e ir além, confundindo as coisas. Com certeza, seria porque se deu a ele o pé e ele, perdendo a dimensão da realidade, queria a mão, um abusado...
Saio do cinema querendo rever o filme para apreender mais e mais detalhes, tamanha a identificação com situações já vividas por mim, não só na terra natal como pela vida afora: o papel higiênico de segunda no "banheiro de empregada" do apartamento do casal cujo voto costumava ser similar ao meu, sempre pela esquerda; a crítica por parte de uns e de outros, pela "falta de limites" que as empregadas têm lá em minha própria casa, desde que comecei a brincar de ser adulta; a falta de jeito de um conhecido ao ter que dividir a mesma mesa com a moça que trabalhava como doméstica em casa, sem que ela tivesse que esperar a "sua vez" de almoçar.
(Pequena nota de percurso : lembrei muito dos amigos Laura Esteves e Raymundo Oliveira (com certeza, eles nem sabem do quanto me reeducaram!), em cuja casa pela primeira vez dividi a mesa com a empregada, amiga do casal. Homenageio-os aqui, o que, aliás, já não era sem tempo).
Pois o filme foi apenas o aperitivo para o que viria. Estive presente, no mesmo dia, a uma reunião festiva, onde foi servido um mais que delicioso coquetel. Pois não é que uma senhora, conhecida da dona da festa, que estava a meu lado, em fraterna conversa de rememorações, não chegou perto dela e, altiva, com o olhar faiscando, não lhe chamou a atenção?: "Fulana, preste atenção, a sua empregada acaba de levar dois pratos cheirinhos de camarão e servir ao motorista! Convém você dar uma verificada."
Saí dali com ânsias. A vida em sociedade também tem destes cruezas. As marcas parece que não cansam de se evidenciar. Vontade mesmo eu tive de perguntar à malvada e insensível mulher: "por que não vai e não volta, criatura?"
Até agora ainda insisto em tentar pacificar meu coração. Não é fácil. Quando me lembro, o sabor das delícias por mim saboreadas ficam como que abafadas pelo amargor da inconformidade que tive que engolir.
Cruzes!

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

MÃO E CONTRAMÃO
27/09/2017


Certa vez prestei uma consultoria a uma grande empresa e, além do que significou aquele período em que aproveitei tudo quanto é brecha para ir construindo a limonada possível diante dos limões que me eram servidos, lá fiz belas amizades. Talvez a mais perene e que mais acariciou meu coração foi a que fiz com uma secretária super severa que, não sei por que cargas d'água, veio a gostar de mim, o que acabou por nos aproximar a ponto de nos tornarmos amigas de verdade. Quase nada tínhamos e temos em comum, mas talvez a sinceridade com que tentamos lidar com as circunstâncias seja o que nos tenha aproximado. Ou sei lá o que, o fato é que nos gostamos e, de nossas diferenças sempre fizemos motivo de sadias trocas e bem viver. Entre mulheres, em particular, é assim, não havendo competição, as divergências podem ser as mais profundas, que tudo segue a contento. Nada se põe no caminho.


Desta criatura adorável, franca a não mais poder, nunca consegui me esquecer de um conselho que me deu numa certa ocasião: "Carmen, aqui dentro, nunca demonstre fraqueza, nunca aparente pobreza, nunca dê mostras de que está com algum mal estar, doente, nem pensar! Nada! Aqui, só tem vez quem é bem sucedido. Ao menor sinal de fragilidade, vc fica mal vista. Isso aqui é um grande faz de conta, cada qual demonstrando o que não é para ser minimamente aceito, e sobreviver"


Minha primeira reação foi de pavor, daquelas sensações que acontecem e é como se tivéssemos dado de cara com a parede. Meio zonza, respirei fundo, mas vim pra casa com aquela ponderação a consumir minha capacidade de mirar as coisas que estão no mundo. Foi o que fiz e entendi aquele tipo de lógica. Afinal, minha querida amiga apenas verbalizou o que é o modus vivendi em que nos inserimos quando adentramos qualquer fatia desta sociedade de valores indigestos, robustamente unilaterais. Aquela era uma fala dessas que não dá pra gente esquecer jamais. E eu nunca me esqueci. Até repasso para uns e outros. Jovem em momento de entrevista de trabalho, se me consultar, pode ter certeza, vai ouvir de mim algo parecido. 

Mas, volto ao ponto, o de ter que aparentar saúde, bem estar, boa vida, sucesso e que tais. É que acabo de tomar conhecimento de que a Casa do Saber vai oferecer um curso sobre a temática da Literatura Infantil, e me emocionou ver o release que prepararam para anunciar a atividade. Vejam só:

“O sofrimento nos constitui como humanos, mas temos frequentemente a tendência a colocá-lo no fundo, escondido, abafado, como se ao sofrer fôssemos menos fortes. Ainda costumamos entender as vulnerabilidades como fraquezas, o que nos impede de aprender e crescer a partir delas. A literatura infantil, através de narrativas textuais e visuais, pode contribuir para explicitar as dores e potencializar em cada leitor a potência humana de transformação que vem do fundo, da tristeza. Acreditamos ser importante que educadores e profissionais que lidam com a infância abram espaço para a escuta sensível da criança, possibilitando a expressão de sujeitos que nem sempre vivem em um mundo tão cor-de-rosa quanto podem supor os adultos.”

Com esta explicação, só pode ser coisa muito mais que boa. Na contramão da lógica dominante. E fiel aos padrões de um ser humano real e repleto de vida. Estou super feliz de saber desse evento! Coisa rara de ver! Talvez eu avise à minha amiga para se inscrever.

terça-feira, 26 de setembro de 2017


BLEFE- ONDE HÁ FUMAÇA HÁ FOGO
26/09/2017
Tomei o meu café como soe acontecer: em paz. E enquanto mordia minha fatia de pão com chia e macadâmia - e fazia croc croc como tanto aprecio para aproveitar cada pedaço bom de colocar os dentes para brincar uns contra os outros - olhei pro lado e me deparei com os inspiradores desenhos da fumaça que ainda subia do filtro com o pó usado reacendendo do bule sobre a pia. Parênteses: sim, faço café com coador de pano, sempre. E direto na xícara para não desperdiçar nem um grau de calor.

A imagem me fez lamentar não estar com o celular ali, a postos, para registrar a delicadeza daqueles movimentos que dançavam lindamente. É que ando assim, valorizando qualquer besteira, até um tempo desapercebida, como fonte de vigor para enfrentar a vida e suas dissonâncias. A fumaça do café não está só: o calorzinho no meu braço, vindo do sol que entra pela janela, bem cedinho, quando começo a dedilhar minhas coisinhas; o copo até a boca de água após o esforço de horas lá fora puxando a mangueira para que se esgueire entre canteiros e pedras; a amiga que apenas me chama para me desejar um bom dia; ou a descoberta, caída no meu colo, de que tenho meus direitos, até de amar, sem ser por ninguém questionada quanto a isso... (Há outras companhias para a alegria de me deter na imagem esvoaçante, mas paro, se não vira textão).

Mas, mais que tudo, o deleite existencial se deu mesmo diante da fumacinha inofensiva e caseira, tão conhecida de cada dia que chega Foi sorrir comigo mesma, ao constatar que onde há fumaça HOUVE fogo, não necessariamente ainda com o vigor do incendeio.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Quem dera o santo do andor fosse de barro!
24/09/2017


Ilusionice fazer conjecturas sobre o santo. O que vai, então, no andor da vida, este, então, nem de barro é... Não adianta rezar, ele é da finura mais que delicada, destas que nem taça de cristal, cujo sonido ecoa como que na escala mais aguda do teclado. Basta dar uma leve encostadinha na mão alheia... e lá se vão as ilusões... ele se parte em milhares de pecinhas irremediavelmente estraçalhadas. Não há santo que dê jeito. Nem o das causas impossíveis. E nem o guardião de todos os santos. É causa perdida! Pode preparar a pá de lixo de cabo longo para recolher o estrago... E, com muita docilidade e zelo, apoie seu coração, pois que vêm quadrantes longos e de muitos choramingos pela frente.
Resultado de imagem para taça de cristal quebrada

domingo, 24 de setembro de 2017

SOS SOBREVIVÊNCIA
A bem de nossa condição humana
24/09/2017
Por favor, quando me enviarem estes "conselhos", mandem também, pelo amor ao ser humano em sua frágil condição, a fórmula milagrenta, se não, eu tenho um troço. Ou bem ajudam ou calem-se para sempre! Se um lápis está pesado para a escrita do meu riscado, ainda tenho que aproveitar que se partiu ao meio (Ai, que dor!!!!) e apontar as duas pontas - de uma fazer quatro - e sair contente cantando Gonzaguinha em alto e bom som: Viver e não ter vergonha de ser feliz?
Pelamor!

sábado, 23 de setembro de 2017

E não é que ele voltou?
23/09/2016
Murphy andava sumido. Uma das últimas vezes que se fez presente em minha vida foi quando eu fui comprar camarão e era o único dia em que o Mercado de São Pedro estava fechado, no dia do santo, 29 de junho. Ontem, o anunciador de azares de pequeno porte voltou a estar comigo. Deve ter sentido saudade de meu abraço caloroso. Fui buscar um exame em São Gonçalo que o laboratório por mim escolhido só fazia na filial de lá e, o que aconteceu? Era feriado na cidade.
Qual será a próxima?

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A relatividade das coisas...
21/09/2017
Chuchu não tem a menor graça, só mesmo no souflé, e assim mesmo porque é apenas um complemento ao delicioso sabor de queijo. Mas sendo do nosso quintal, como me chega por foto do filho, aí tem outro sabor. Quase parece Flor de Maracujá à milanesa. Que nada! Quis só aproveitar este enredo para falar de uma outra delícia. O bom grado, a empatia brota dele mesmo, chuchu, só que com gosto de intimidade e cheiro de terra que conhece meus pés. É a poesia do mundo: tem relação?, tem par?, tem eu e tu?, aí, a coisa muda de figura. Surge o calor do encontro. Mesmo que do outro lado haja um legumezinho (antes) tão sem atrativos...

terça-feira, 19 de setembro de 2017

HILÁRIAS ILAÇÕES
19/09/2017

De qual gene vem este foco exagerado que trago, de em tudo ver graça e extrair comicidade? Papai gargalhava, mas não era piadista. Mamãe nem pensar. Era calminha e discreta. E eu saí deste jeito. Tanto choro de quase morrer como rio de quase matar.

Dia desses, nesta lambança todo em que nos chafurdamos, uma amiga detalha pra mim que a força política com a qual se afina é o PSTU. No impeachment ficou indiferente e coisa e tal. Pensam que eu fiquei séria e respeitei? Que nada! Apenas respondi que a imagem que me vinha era dela sentada num banco de praça, sendo espremida por um amontoado de pessoas que nele estavam a se sentar e que eu a via tanto à esquerda, mas tanto e tanto, que estava pra se esborrachar no chão. Iria sobrar e cair de bunda no chão. Ainda bem que digo isso graciosamente, se não, apenas me restariam 2 amigos e meio, quiçá 3. Os demais, todos, já teriam, eles, sim, desistido de dividirem comigo o banco do coração. Mas, resistem, são amigos de fé mesmo. Atesto com firmeza.

Hoje, Maria Helena Maria Helena Machado, gracinha de amiga, me acorda com uma linda declaração de amor, concluída, lindamente, conclamando-me a "que sejamos amigas para sempre!". Quieta tb não fiquei. Não sei de que canto de minha forma de ser, veio célere a piada pronta. E lá fui eu a responder a "Dona Maria" (adoro chamá-la assim), mais ou menos deste jeito: "Claro, Maria Helena! Até porque, já caminhamos tanto nesta vida que daqui até o 'sempre' é coisa pouca. Dá pra levar até lá. Com certeza, venceremos e nossa meta será atingida. Para sempre!" E dei de rir.

Agora, cá estou eu a registrar essas bobices, crente que vou fazer algum leitor desavisado soltar um risinho e ganhar sustança para voltar a enfrentar o seu dia. E sem cair do banco! Acolhido e generosamente envolvido pela vontade de viver o mais levemente possível.

(Esta parece ser a grande piada: eu que tanto choro, querer fazer rir...)