O BAILADO DAS BALAS
28/09/2013 (Escrevi
antes, postei neste dia)
Na esquina lá de casa com a Rua da Baronesa tinha uma venda onde
eram vendidas balas de goiaba, umas balas duras como nenhuma outra e tão
deliciosas a ponto de provocar esta viva rememoração. Sua cor era de goiaba
mesmo, eram meio brilhosas, quadradinhas, exquisitas, diriam os argentinos...
Mas neste texto que
brota sei lá de qual rincão de minha história, a bala de goiaba entra mesmo só
para anunciar o que virá, tal qual uma hipotética participação dos nossos
Paralamas abrindo um show dos Rolling Stones, antes dos ingleses cantaram, para
delírio geral, a sua histórica Satisfaction.
Pois os Rolling Stones,
o show principal a que quero me referir aqui são o bailado que as habilidosas
mãos do balconista da venda da esquina faziam para embrulhar as balas compradas
pelas crianças da vizinhança.
O papel era
acinzentado, rústico, meio manchado, até lembrando os reciclados de hoje em
dia, e era puxado de um tipo de bobina serrilhada, grandona, postada atrás do
balcão, de onde o artista puxava e cortava o pedaço que queria, maior ou menor,
de acordo com a quantidade de balas a embrulhar.
Postas as balas no
centro do papel, dava-se início ao bailado. Com ambas as mãos, como se fosse
uma daquelas donas de casa argentinas processando suas rechonchudas empanadas,
ele vinha dobrando as abas do papel, uma após outra, como uma empanada mesmo,
até chegar ao último ato: era quando o moço, artista anônimo de minha esquina,
de quem não me lembro a face, apenas o gesto, lançava o pequeno embrulho em
volta dele mesmo, numa volta inteira pelo ar, firmando-o pelas últimas dobras
já feitas, uma em cada mão. O resultado era um perfeito pacotinho de balas, com
os dois “chifrinhos” enroscados, um em cada ponta, milagrosamente surgidos como
seu derradeiro fecho. Era coisa de Terceiro Ato mesmo. Só que, para mim, ali o
cisne sempre revivia, como se contássemos, como fundo musical, com o som da
mais cristalina execução do eterno Tchaikovsky. Pura expressão de uma Arte
singela, hoje viva apenas em minha memória.
A paixão que passei a
ter pelo que são capazes de fazer as mãos humanas, com certeza, surge em grande
medida daquele gesto – para o moço, tão corriqueiro –, e faz dele uma de minhas
mais nobres inspirações.