FRAGMENTO PRECIOSO
18/9/2017
Um sente a falta, doída, do seu vaso chinês, quebrado quando atravessava a sala, distraído.
Outra reclama da bolsa de couro italiano que foi cortada pelo ladrão na praça das Armas, em Lima.
A do vestido lilás não vê a hora de repor o dente perdido quando do acidente da Rua do Moinho, lá em Dores do Indaiá.
O fulano de alma cigana não se refaz da perda de ter ingressado por concurso no Banco do Brasil, o que, não fosse, poderia ter-lhe assegurado outro rumo na vida.
A filha do meio dos três irmãos se ressente e fica briguenta, ressentida, por não ter sido a primeira ou a última, o que lhe tiraria a sensação de indefinição geográfica no mundo.
A dona de casa, laboriosa e indispensável, sente-se menor e se queixa do tanto que é pouco ouvida e considerada no seio de seu lar.
Eu, cá de minha poltrona - que é um aconchego quase como o sofá da Sala de Baixo, lá da Beira Rio, em que um sem número de vezes me joguei para pensar antes de subir para dormir, só tenho um suspiro candente, mesmo que sem nenhum som a acompanhá-lo, segredo só meu, sofrido e denso: cadê vc, meu amor? Que falta nosso amor me faz! Lacuna é isso, o resto se repõe com dinheiros, terapias ou boa vontade.
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