terça-feira, 23 de agosto de 2016


Esculpindo o bem coletivo
(Escrito em 23/08/2016)


Muito estranho! Repentinamente, dou um salto do trabalho e venho aqui com uma ideia pronta na cabeça. Michelangelo nos meus ouvidos. Ele mesmo, o imortal escultor. Privilegiada, eu. Me ver interrompida por um artista desse porte, o clássico dos clássicos... O acontecido: é como se escutasse a voz do mestre quando certa feita viu-se indagado sobre como esculpia e simplesmente disse que "a escultura já estava lá, dentro do bloco de mármore; eu só retirei os excessos.”

Mas eu entendo o “recado” que me chega do pai do imponente Davi. Aliás, como entendo! Sua obra está livre e dada ao mundo e eis que a uma necessidade minha, humana, achegou-se, permitindo que minha sensibilidade pegasse por empréstimo a sua fala para elucidar o meu momento. Não há mistério no fato. O padecimento de ver meu país tomando o rumo que está a tomar, as perdas e retrocessos – não bem noticiados, bem sei, mas cada vez mais nítidos quando se buscam fontes alternativas de notícias, aguça em mim a ânsia por uma providência transformadora. Daí, Micheangelo.

Tento ser mais explícita. É realmente hora de retirar os excessos e deixar o que é, tornado visível. Ou, dito de outra forma: é hora de, querendo esculpir um touro, retirar da pedra tudo que não é touro. O touro só. Inteiro. Mostrar o touro ao mundo. A vontade é mesmo esta e vem do canto mais profundo de meu sentir: a de que tudo que não é essencial caia por terra e só fique nítido o que define a essência de um viver com dignidade. Para todos. Que nos seja dada a capacidade, a arte, de limparmos tudo que nos impede de ver o que é, o que vale, o que nos compõe como indivíduos em processo de humanização! Que caia por terra o que nos veda a visão! Que fique apenas a verdade ou o que mais dela se aproxime!

Quase asseguro que o silêncio que se nota de forma quase que generalizada entre as pessoas (à exceção dos insistentes de plantão, onde me incluo) dará lugar a um coro vigoroso em prol da democracia, em direção ao miolo daquilo que verdadeiramente importa. Não para uns e outros. Não para poucos. Não para privilegiados. Mas para todos. Coisa universal.

Tudo isso, talvez, seja efeito do atual momento de minha tão rica e espraiada vida: são tempos onde a taça de vinho convive com perdas, as possibilidades de encontros se cruzam com despedidas, com dores, fins e afins. Hora de ir deixando o palco mais limpo, só essencialidades...

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