quinta-feira, 25 de maio de 2017


DESAMPARO

25/05/2016
Não há pintor que dê conta de combinar quaisquer cores e formas para se contrapor à vergonha que sinto.
Não há compositor que junte palavras em rimas pobres ou ricas para dar conta da vergonha que sinto.
Não há escritor que arrume palavras no idioma que for para me aliviar da vergonha que sinto.
Não há construtor no mundo, nem aquele das ilhas artificiais de Dubai ou das suas piscinas de bordas infinitas que seja capaz de me abrigar do frio- vergonha que sinto.
Não há cientista de qualquer tendência, destes que os laboratórios transnacionais tentam comprar a preço de diamantes que me ofereça uma poção capaz de anular a dor-vergonha que sinto.
Não há ourives de canto algum do mundo que crie uma jóia mais luminosa e rica que encubra a nudez-vergonha que sinto.
Não há cineasta por mais poético que seja em suas narrativas por campos de lavanda que distraia meu coração da vergonha que sinto.
Não há doceira, nem em Campos nem em terras portuguesas que combine ovos e favas de baunilha para adoçar minha fronte crispada pela vergonha que sinto.
Não há agricultor que plante hortaliças ou pinhões limpinhos de agrotóxicos, que traga à minha boca alimento capaz de expulsar a vergonha que sinto.
Não há escultor que transforme pedra em arte e que me alegre com a beleza de sua criação, expulsando de minhas vísceras todo o amargor- vergonha que eu sinto.
Não há ninguém capaz. Não adianta buscar. Contra essa vergonha entranhada, não há Ciência nem Arte nem Filosofia nem nada que dê conta de me recolocar de pé, sem a tal tamanha vergonha instalada. A Política está agonizante. A mentira dança à nossa frente e só se abordam os detalhes. Ouvidos moucos. Olhares foscos. Razões cínicas. Falas viciadas. E chega de palavras. Elas estão órfãs de sentido. A vergonha tomou tudo que era possível de ser tomado.

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