DESAMPARO
25/05/2016
Não
há pintor que dê conta de combinar quaisquer cores e formas para se contrapor à
vergonha que sinto.
Não
há compositor que junte palavras em rimas pobres ou ricas para dar conta da
vergonha que sinto.
Não
há escritor que arrume palavras no idioma que for para me aliviar da vergonha
que sinto.
Não
há construtor no mundo, nem aquele das ilhas artificiais de Dubai ou das suas
piscinas de bordas infinitas que seja capaz de me abrigar do frio- vergonha que
sinto.
Não
há cientista de qualquer tendência, destes que os laboratórios transnacionais
tentam comprar a preço de diamantes que me ofereça uma poção capaz de anular a
dor-vergonha que sinto.
Não
há ourives de canto algum do mundo que crie uma jóia mais luminosa e rica que
encubra a nudez-vergonha que sinto.
Não
há cineasta por mais poético que seja em suas narrativas por campos de lavanda
que distraia meu coração da vergonha que sinto.
Não
há doceira, nem em Campos nem em terras portuguesas que combine ovos e favas de
baunilha para adoçar minha fronte crispada pela vergonha que sinto.
Não
há agricultor que plante hortaliças ou pinhões limpinhos de agrotóxicos, que
traga à minha boca alimento capaz de expulsar a vergonha que sinto.
Não
há escultor que transforme pedra em arte e que me alegre com a beleza de sua
criação, expulsando de minhas vísceras todo o amargor- vergonha que eu sinto.
Não
há ninguém capaz. Não adianta buscar. Contra essa vergonha entranhada, não há
Ciência nem Arte nem Filosofia nem nada que dê conta de me recolocar de pé, sem
a tal tamanha vergonha instalada. A Política está agonizante. A mentira dança à
nossa frente e só se abordam os detalhes. Ouvidos moucos. Olhares foscos.
Razões cínicas. Falas viciadas. E chega de palavras. Elas estão órfãs de
sentido. A vergonha tomou tudo que era possível de ser tomado.
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