O TRABALHADOR – ELE, EU E MINHA CONSCIÊNCIA
1/5/2017
Bem me lembro
de que Bibi Ferreira era a madrinha da enorme embarcação que estava sendo
batizada naquele final de tarde, à beira da Baía de Guanabara. Meu irmão era engenheiro do estaleiro
responsável pela magnífica obra e lá estávamos para a festa em que o monumental
barco iria ser lançado ao mar, sob aplausos e mediante a quebra de um champanhe,
lançado de encontro ao seu casco reluzente.
Muita gente
reunida, autoridades, burburinho, euforia, tudo ali misturado e intenso, e eu,
mocinha do interior, inaugurando-me também num evento daquele tipo. Por suposto
que não me recordo, mas certamente deveria estar bem elegante e com um daqueles
saltos agulha, altíssimos, os mesmos que hoje, quando, acomodada em alguma
sandalinha rasteira, vejo nos pés das carmens da atualidade, me entusiasmo, de
tão lindos e femininos que considero.
Tudo para ser mais
uma festa em que tudo seguiria bem, muito charme, olhares acesos, alguma
paquera se anunciando, coisas de uma juventude que era bem a minha – só o belo,
o aparente, o não fundamental, apenas o palpável e respirável sem maiores
dores.
Mas, algo “deu
errado”. Ao invés de flertar e olhar as roupas bonitas, fui traída por alguma
intuição ou acaso, o que veio a mudar a minha vida. Da posição em que me
coloquei para assistir ao espetáculo, deparei-me com uma determinada cena –
real e contundente – e, com o que vi,
tive o meu primeiro rasgo de consciência diante do mundo, vivendo o fato que me
marcou para sempre e que me levou a toda a mudança interna, à procura da
explicação para o que nunca havia conseguido compreender à luz de qualquer
teoria ou fé. A prática da vida veio e se jogou diante de mim. É que lá de cima
onde estava, eu podia observar o navio à beira da água, ainda postado sobre
umas toras de madeira, que, quando fossem acionadas, o jogariam ao mar para
cumprir seu destino de sangrar águas dos quatro cantos do mundo. Foi quando vi –
para guardar para sempre em minha memória – uma fila de operários, em seus
uniformes bem limpos, cada qual com seu capacete, um a um postado na direção de
uma alavanca que comandava cada tora de madeira que sustentava o navio tão
festejado.
Inexplicavelmente,
meus olhos se fixaram ali naqueles homens e deles não se desgrudaram mais.
Música, alvoroço e gestos de quem quer que fosse perderam a vez para o que eu
constatava ali, impactada: num movimento uniforme, sincronizado, os operários
deram de si toda a sua força física e puxaram as alavancas que fizeram tombar o
barco, fazendo-o escorregar para as águas que o aguardavam. O espetáculo fora
conduzido por eles, mesmo que eles estivessem abaixo, sem nenhuma relevância ou
brilho. As luzes, aplausos e louvações dirigiam-se para o gesto da madrinha e o
batismo que promovia. Olhares para o alto e eu sem conseguir desgrudar meus
olhos dos verdadeiros donos do espetáculo.
De repente, num
átimo de segundo, a consciência: a festa está cá em cima, os brindes, a “beleza”,
a euforia, o mérito, a comemoração. Mas quem fez o trabalho foram os invisíveis
operários.
Dali, até o
final da noite, convivi com um coração entumecido, uma garganta seca e um
olhar grudado nos fazedores de navio. Tanto assim que fui à cata de entender o
tanto e como são essas pessoas fundamentais em sua vida de fazedores de todas
as coisas de nossa vida. E morte.
VIVA TODOS OS TRABALHADORES DO MUNDO!
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