DESABAFO
(Escrito em 16/09/2015)
Meu maior
amigo nesta vida chamava-se/chama-se André Trouche. Hoje, segundo sua firme
crença na reencarnação, deve estar - com sua bondade, inteligência, olhar puro inigualável - espargindo bons fluídos
como alma iluminada, por outras paragens que desconheço existirem.
Para mim,
segundo minha própria incompetência diante das coisas deste mundo, sem ter a
sua crença, ele está aqui, ao meu lado, como lembrança/presença viva. Esta é
para mim, a sua eternidade, a sua presença, a sua continuidade, ou como
queiramos chamar o que permanece dele e de todos nós neste mundo, mundo, vasto
mundo, incompreensível mundo, depois de nossa morte.
Dele tenho
muitas e inigualáveis histórias. Delas sempre me lembro, e com alegria. E com
uma saudade com ares de poço sem fundo. Hoje é um destes dias em que me lembrei
vivamente de uma delas, o que me põe a aqui escrever sobre.
Eis que o
moço do supermercado vem fazer a entrega de algumas compras. E, claro, começa a
falar mal da Dilma, que, segundo ele, vai aumentar os impostos, prejudicando os
pobres do país. Segundo expõe, convicto, agora todos terão que pagar imposto
toda vez que fizerem qualquer despesa por cartão, cheque, todas elas. Imagino
estar se referindo à nova proposta de CPMF e retruco, a ele que já é meu velho
conhecido, de tanto papearmos quando vem por aqui, e digo que isso não será
aprovado pelos deputados e coisa e tal. Detalho mais um pouco: “nada neste país
que prejudique os ricos passa, ‘seu’ Antônio. Se isso passar, os banqueiros vão
pagar bilhões em imposto, porque todas as transações que fizerem serão
conferidas, visíveis. O que 'passa' é o que nos prejudica. Poucos estão lá que
representem nossos interesses. E ele, sem entender bem, me responde: “Mas, dona
Carmen, me diga, está certo, um cara que tem uma casa de 3 milhões pagar 30% de
imposto, quando a vende? A casa é dele, ora...” E daí, segue com argumentos contra
si próprio, sem ter a menor ideia do que seja processo legislativo, do que
esteja embutido nos interesses em jogo, do que seja apoio político, base
aliada, isolamento politico, luta entre as classes fundamentais, essa coisa
toda...
Demos mais
umas voltas em torno do assunto, mas tudo parecia inútil, sem eco. Ali, diante
de mim, suado, aflito, desesperançado, mas quase sem condição de trocar
argumentos, eu tinha um legítimo representante do Capital. E, pior, muitíssimo
pior!, sem ter a menor consciência disso. Sem saber nem de longe como a banda
toca, contra quem e por que meios e instrumentos.
Mais uma ou
duas falas pra lá e pra cá, nos despedimos, e eu entro, falando em voz alta,
para mim mesma: “DESISTO!”
O que
Andrezinho tem a ver com isso? Muito! Tudo! Numa dada eleição, ele, em plena
campanha, ativo militante como era, virou-se pra mim e falou: “Olha,
Carmencita, é a última vez. Tenho casa própria, carro do ano, como o que gosto,
viajo para onde eu quero... se os pobres não votarem a seu próprio favor desta
vez, eu desisto. Vou viver só em torno do meu umbigo...! Chega!”
Hoje eu até diria a meu amado André: "De seu tempo para hoje as coisas pioraram muito, meu querido! Tudo cada vez menos nítido e mais difícil de explicar. Creio que se você ainda estivesse conosco, teria alguma dificuldade de escrever seus brilhantes textos que nos exortavam a seguirmos adiante. Cada vez mais, os poderosos contam com o apoio dos que sofrem suas ações predatórias e desumanas. E muito, creia, em função de nossos próprios erros. É desesperador!"
Hoje eu até diria a meu amado André: "De seu tempo para hoje as coisas pioraram muito, meu querido! Tudo cada vez menos nítido e mais difícil de explicar. Creio que se você ainda estivesse conosco, teria alguma dificuldade de escrever seus brilhantes textos que nos exortavam a seguirmos adiante. Cada vez mais, os poderosos contam com o apoio dos que sofrem suas ações predatórias e desumanas. E muito, creia, em função de nossos próprios erros. É desesperador!"
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