... e
que fim levou Rosita? (escrita em 1999) [1]
Primeiro
veio uma pergunta da qual não me recordo, uma outra e outra mais, e a todas
Cristina Pereira respondeu com aquela sua dicção mais que perfeita e a alma
aberta, perfeita também para mim, pelo menos ali, naquele momento em que abria
as portas da Casa da Gávea para que meninos e meninas de escolas públicas
assistissem à “Dona Rosita, a solteira”, belíssima obra de Federico Garcia
Lorca.
Mas
a grande pergunta veio mesmo em seguida, saída da voz de uma adolescente que,
mesmo com jeito suave, não conseguiu disfarçar em tom emocionado, a sua
exigência: “Cristina, e que fim levou Rosita?” Sim, era isto mesmo: ficção e
realidade se cruzavam ali e, de repente, aquela Rosita de Lorca e de Cristina, estava ali, tão presente, viva
e encarnada, que era necessário saber, mesmo depois de cerrado o pano, o que
aconteceu com ela na vida, nesta mesma vida que a menina e todos nós
repartíamos ali naquele momento mágico...
O
que acontece afinal com aquela Rosita que esperou 25 anos pelo retorno de seu
amado, um amado que nunca mais voltou? Haveria um “final feliz” depois do
terceiro ato? Ou cada um de nós teria
que retornar às suas casas ainda ouvindo (como a tia ouviria a porta da antiga
casa bater, mesmo a tendo agora apenas na memória), ouvindo de nós mesmos, relembrados
que fomos naquele espaço e por aquele texto e seus intérpretes, que há amados
que não voltam, há sonhos que não se realizam, há dores que não cicatrizam, há
vida que não acaba mais depois da felicidade e do enlevo do amor?
Saio
eu do teatro e não há como negar: comigo vão Lorca, os atores, o cenógrafo, o
diretor, todos eles, por certo, companhias até já esperadas, pois que bom
teatro é assim mesmo, é voltar pra casa sempre acompanhada de ideias, questões
e pensares... Mas... e a menina e sua
dúvida? Que companhia é esta que veio vindo comigo e me coloca, madrugada
adentro, dedilhando o computador para dar conta do que me fez pensar e sentir?
Com
qual das minhas esperas terá a pergunta da menina se cruzado em minha alma e
encontrado tamanha sintonia?
Mesmo
sem saber ao certo em qual canto, mais ou menos escondido, ecoou a questão
juvenil em meu coração de senhora (por mais que este teime em conservar sonhos
juvenis pulsando intensos em algumas de suas mais nobres artérias...), fica a sensação de que um tema me emociona e
nesta situação se impõe: quando chegará o tempo em que os nossos meninos e
meninas poderão usufruir os bens culturais, dentre os quais o teatro se
destaca, sem estranharem – pelo desconfortável e empobrecedor desconhecimento – o que ali se desenrola? Quando cada um deles,
chegada a Arte em suas vidas, poderá viver o direito de existir de maneira mais completa, fazendo-se
uma pessoa mais enriquecida, mais aproximada da beleza produzida pelo próprio
Homem, mais desenvolvida em sua sensibilidade, humana mesmo?
O
anseio por um mundo melhor: aí está. Por certo é este o motivo, o verdadeiro
elo ao qual foi dar, dentro de mim, a pergunta da menina. É este, sim, um grato
sonho de amor que ainda embala meu coração... E lá se vão tantos quantos os 25
anos de espera de Rosita ... – para mim a maior espera, o grande amor pelo
outro marcado na alma... Até quando ? Que fim levará esta Rosita cuja esperança
anda meio combalida mas que mesmo assim ainda habita meu coração? Por que
estamos hoje sozinhos, já não mais agrupados e pretensamente fortes,
construindo as possibilidades reais de um mundo onde aqueles que produzem
cultura dela possam usufruir saboreando-a com todo o gosto?
[1]
Pedagoga, numa forma de homenagem aos 20 anos da greve pioneira do Magistério
Público do Estado do Rio de Janeiro, em 1979.
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