quinta-feira, 26 de dezembro de 2013


... e que fim levou Rosita? (escrita em 1999) [1]

Primeiro veio uma pergunta da qual não me recordo, uma outra e outra mais, e a todas Cristina Pereira respondeu com aquela sua dicção mais que perfeita e a alma aberta, perfeita também para mim, pelo menos ali, naquele momento em que abria as portas da Casa da Gávea para que meninos e meninas de escolas públicas assistissem à “Dona Rosita, a solteira”, belíssima obra de Federico Garcia Lorca.

Mas a grande pergunta veio mesmo em seguida, saída da voz de uma adolescente que, mesmo com jeito suave, não conseguiu disfarçar em tom emocionado, a sua exigência: “Cristina, e que fim levou Rosita?” Sim, era isto mesmo: ficção e realidade se cruzavam ali e, de repente, aquela Rosita de Lorca  e de Cristina, estava ali, tão presente, viva e encarnada, que era necessário saber, mesmo depois de cerrado o pano, o que aconteceu com ela na vida, nesta mesma vida que a menina e todos nós repartíamos ali naquele momento mágico...

O que acontece afinal com aquela Rosita que esperou 25 anos pelo retorno de seu amado, um amado que nunca mais voltou? Haveria um “final feliz” depois do terceiro ato?  Ou cada um de nós teria que retornar às suas casas ainda ouvindo (como a tia ouviria a porta da antiga casa bater, mesmo a tendo agora apenas na memória), ouvindo de nós mesmos, relembrados que fomos naquele espaço e por aquele texto e seus intérpretes, que há amados que não voltam, há sonhos que não se realizam, há dores que não cicatrizam, há vida que não acaba mais depois da felicidade e do enlevo do amor?

Saio eu do teatro e não há como negar: comigo vão Lorca, os atores, o cenógrafo, o diretor, todos eles, por certo, companhias até já esperadas, pois que bom teatro é assim mesmo, é voltar pra casa sempre acompanhada de ideias, questões e pensares... Mas...  e a menina e sua dúvida? Que companhia é esta que veio vindo comigo e me coloca, madrugada adentro, dedilhando o computador para dar conta do que me fez pensar e sentir?

Com qual das minhas esperas terá a pergunta da menina se cruzado em minha alma e encontrado tamanha sintonia?

Mesmo sem saber ao certo em qual canto, mais ou menos escondido, ecoou a questão juvenil em meu coração de senhora (por mais que este teime em conservar sonhos juvenis pulsando intensos em algumas de suas mais nobres artérias...),  fica a sensação de que um tema me emociona e nesta situação se impõe: quando chegará o tempo em que os nossos meninos e meninas poderão usufruir os bens culturais, dentre os quais o teatro se destaca, sem estranharem – pelo desconfortável e empobrecedor desconhecimento –  o que ali se desenrola? Quando cada um deles, chegada a Arte em suas vidas, poderá viver o direito de  existir de maneira mais completa, fazendo-se uma pessoa mais enriquecida, mais aproximada da beleza produzida pelo próprio Homem, mais desenvolvida em sua sensibilidade, humana mesmo?

O anseio por um mundo melhor: aí está. Por certo é este o motivo, o verdadeiro elo ao qual foi dar, dentro de mim, a pergunta da menina. É este, sim, um grato sonho de amor que ainda embala meu coração... E lá se vão tantos quantos os 25 anos de espera de Rosita ... – para mim a maior espera, o grande amor pelo outro marcado na alma... Até quando ? Que fim levará esta Rosita cuja esperança anda meio combalida mas que mesmo assim ainda habita meu coração? Por que estamos hoje sozinhos, já não mais agrupados e pretensamente fortes, construindo as possibilidades reais de um mundo onde aqueles que produzem cultura dela possam usufruir saboreando-a com todo o gosto?




[1] Pedagoga, numa forma de homenagem aos 20 anos da greve pioneira do Magistério Público do Estado do Rio de Janeiro, em 1979.

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