Em
1/11/2013
SE BARCOS NÃO FORAM
FEITOS PARA VOAR – E VOAM –, ESTAR VIVO TAMBÉM PODE SER UMA CAMINHADA
PARA ALÉM DO ÓBVIO...
O lugar
exato eu não me lembro qual. Ao lado da Igreja, lá em Atafona? Huuuum, será?
Duvido, pensando que o parquinho de lá já é mais recente e que devo tê-lo
frequentado num tempo menos remoto, já com os filhos, quando morei na Praia por
uns tempos. Não, ele não poderia ser mesmo ali quando eu era criança. Então,
onde? Ao lado do Cruz de Malta, naquele outro parque que disponibilizava um
serviço de altofalante onde os meninos
dedicavam músicas para as garotas de suas preferências, abrindo caminho para um
futuro namoro? Talvez.
O lugar
certo onde ficava o tal brinquedo realmente não me vem à mente, mas hoje fui
surpreendida, dentre várias fotos enviadas por um amigo, com a de um barquinho
daqueles dos parques de diversão interioranos. Aí, pronto, foi dada a largada
para a rememoração dos meus tempos de infância onde ele, o barquinho movido à
corda, sempre acompanhava a roda-gigante e o carrossel, protagonistas das
diversões de então.
Ao
amanhecer com tal relíquia diante de mim, quase juro que me veio nitidamente às
mãos a ardência provocada pelo esforço de puxar a corda, quase a ponto de nela
me pendurar para que o barquinho subisse o mais alto que pudesse por força de
meu impulso. De um lado eu e a minha corda, grossa, áspera, fedida. Do outro,
alguma outra criança, a cumprir o mesmo ritual de fazer voar o barquinho
rústico de madeira ao seu limite de voo.
Antes da
nossa subida para tomarmos posição num dos dois bancos mal-ajambrados de um dos
barquinhos velhos, com seus coloridos desbotados, lá permanecia o coitado, meio
velhote, pousado sobre uma prancha de madeira que o imobilizava até a entrada
da nova dupla que iria lhes dar asas por suas próprias e ícaras mãos. Depois,
com a nova dupla a postos, cada qual de seu lado, era só o funcionário empurrar
a madeira, deixar o barco livre da base que o aprisionava e entregá-lo ao
apetite voador de quem estava ali para impulsioná-lo ao alto. Palavras não eram
ditas, explicações se faziam totalmente desnecessárias e mais valia mesmo era o
riso solto do parzinho que se deliciava diante do efeito surgido de sua própria
ação. Minha vez: mãos ao chão, barco ao alto; vez do parceiro – de jeito
idêntico, lá ia ele naquela gangorra de prazer. Um estar no alto
necessariamente significava o outro estar embaixo. Era a ação em si a conduzir
e a indicar a adequação ou necessidade de se reajeitar o momento exato de
pressionar a corda para baixo ou afrouxar as mãos.
De cada
lado, começando do voo ainda tímido, até porque barcos e gentes não vão direto
ao topo com o primeiro impulso, a dupla se punha a quase trazer ao chão a
própria corda, segurada com a força mais potente, para, em seguida, subir junto
com ela, quando fosse a vez do outro lado dar seu impulso e provocar o
vai-e-vem nas alturas. Para um lado, para o outro, força se acumulando, subidas
se tornando mais consistentes pela potência acumulada em função da força gerada
pelo esforço em atingir o objetivo. E com um detalhe: quando do momento de se
estar no alto, um leve e mais que rápido girar de cabeça para ver a inigualável
Atafona vista num novo ângulo, mais panorâmico que o usual.
Só que
sempre demorava menos do que o desejado: mais cedo do que queríamos, lá vinha o
moço a recolocar as madeiras que haveriam de frear aquele nosso veículo típico
de águas feito objeto voador. E por nossa própria vontade e gozo. Viver
não é assim também?
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