Carmen, sempre lendo... |
O menino chegou pra mãe e falou que gostava muito de soltar
estrela, que soltou com o amigo na rua de trás da escola e que foi muito bom
ficar vendo aquela coisa colorida voando feito doida pelo ar, piscando pra ele
e pedindo mais linha pra ir mais além do ar de agora há pouco. E ele dava. Dava
a linha que ela pedia e dava a que ele queria também, mais e mais, até ela
ficar quase menor do que a sua mão, ela que era tão grandalhona quando estava
perto, na mão mesmo, aqui em baixo.
Com o seu amor pela primeira estrela, que foi só crescendo com a
segunda e todas as que vieram depois, o menino foi deixando de ser menino
gostando muito de estrelas, grandes e pequenas, amarelas, azuis, de todas as
cores. De verdade, o menino e a pipa viveram dali pra frente, desde o dia de
trás da escola, um grande caso de amor, menino e pipa, juntos. Juntos criando
novas pipas, menino após menino, no mesmo e novo menino.
Mas eu
não estou contando esta história só pra dizer que o menino cresceu e virou como
que um fabricante de pipas, cada vez mais amarelas e azuis, pretas, vermelhas
ou multicoloridas. Não, não é só pra falar desse menino que eu quis falar do
menino da pipa (ou da pipa do menino). Do que eu quero mesmo falar é, do quanto
gostar do que a gente faz, faz a gente saber melhor o que a gente faz. Se são pipas, pipas melhores virão sempre,
algumas até meio escurecidas, talvez até borradas, por combinarem com uma
tristeza que nos machuca naquela hora em que pegamos papel e cola para fazer
papel e cola virarem pipa. Mas sempre com o gostinho, a textura e o timbre (por
que não posso desafinar de quando em vez ?) tirado do nosso amor por ela.
A
conversa que vai acontecendo entre a mão que faz, a cabeça que pensa e o
coração que sente, vai fazendo com que a coisa feita, com a mão, a cabeça e o
coração, ganhe vida, recebendo de cada pedaço nosso um jeito especial de ser.
Dá até pra ter como ingrediente o sentimento escorrido pela mão, um pouco de
razão chegada às pressas para ver de perto a intuição primeira, coisas assim...
E isso ajuda a coisa e ajuda a gente. A coisa feita não fica só coração ou
razão, habilidade ou impulso. E nós vamos ficando melhores, porque sabemos
deixar nossas partes se entrelaçarem livremente, sem termos que cumprir um
papel definido antes, puramente emoção, puramente razão. Vamos ficando
inteiros, já não mais repartidos. Repartida, nem mesmo a pipa, nos seus vários
pedaços de papel seda, um de cada cor.
Mesmo em relação a ela - e às outras coisas - dá até pra pensar que, se
elas saem de nós por conta dessa harmonia que buscamos a cada dia, pipas e
coisas vão ficando cada vez mais vivas e sedutoras, pois que passam a ser a
expressão de uma salutar conversa - às vezes meio briguenta - entre cada canto
de nosso ser.
E por
falar em meninos e pipas ...você gosta de ler?
Se você
gostar, ou melhor, se você, ouvindo os vários cantos de seu ser, disser que
sim, huum...aí trabalhar com leitura na escola vai ganhar um novo colorido. Eu
quase juro que as cores que virão compor a sua prática serão tão vivas e fortes
que poderão estar lado-a-lado com as pipas, as do menino que faz pipas e que
vem-se fazendo um homem cada vez mais
ciente de suas cores.
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