Em 22 de novembro
UMA RELAÇÃO SEM NOME, UMA DOR SEM
TAMANHO
Sol? Nem lá fora nem nas entranhas. Dia de saudade. Coração indócil. Uma certa amargura afligindo
o peito. Recorro às palavras. Começo a dedilhar e me deixo tomar pela emoção
que cruza fronteiras e escorre pelas mãos. Sempre é a mesma maneira de lidar
com a dor. É escrevendo que aciono as válvulas internas dos sentimentos e vou
conseguindo purgar as dores que me fazem chorar, como aqui, agora.
Há amigos, muitos, que estranham eu ser tão alegre e fazer
tanta graça com as coisas, as mais singelas, do cotidiano. Uma das amigas, de
uma certa forma, até me repreendeu, ao me ver tão crítica em relação a mim
mesma, mais especificamente quanto falo de minhas práticas marfianas, como se
eu estivesse me desmerecendo demais,
anunciando-me como uma idiota que não distingue uma garrafa pet de uma
outra de desinfetante[i],
esse tipo de coisa... Com suavidade, retruquei: “Qual seria a graça de falar
daquilo que sei? O que faz rir são as derrotas...”
Pois eu vivo de gostar de extrair o melhor humor dos fatos
do dia-a-dia, sem que eu mesma perceba ou me determine a tal fim. A vida vai
sendo vivida e a minha natureza dela vai extraindo o seu aspecto lúdico, como
que a entender o humor como uma arma que me protege contra a crueza do conjunto
da obra que é viver.
Feliz ninguém é. No máximo, nesta sociedade perversamente
estruturada, cada um tem lapsos de alegrias ou momentos de distanciamento ou
alienação, até mesmo para sobreviver em meio ao caos. Como uma capa protetora
para se fazer viver no momento seguinte, a pessoa se deixa levar por uma
alegria aqui, outra ali, mas viver mesmo, num mínimo nível de profundidade, não
deixa ninguém ser feliz em paz.
Por isso, sou alegre. Melhor dizendo: porque sou triste, sou
alegre. Porque me deixo abater pelo que vai me acometendo pela vida afora, faço-me
bem humorada para não sucumbir. Porque choro, eu rio. Porque sinto saudades, eu
escrevo.
Nada nunca foi programado. Nunca me dispus a fazer graça
para me proteger. Não sou e nem consigo
ser racional e programar-me previamente para o que virá. Veio vindo a mim o
refúgio das palavras e nelas eu cada vez me apoiei, delas cada vez me servi e
me sirvo, acalmando meu coração tomado por perdas e pelo meu viver pouco
convencional e sempre sonhador, repleto de dúvidas e incertezas...
Tudo isso para dizer que hoje estou mooooooooorta de
saudades de meu enteado. Viver sem ele por perto é doloroso e extraiu de mim
uma parte que se desenvolvia com harmonia e onde reencontrei a
maternidade. E maternidade com tempo de
ser mãe, já numa altura da vida em que a riqueza de um amor filial podia ser
vivida mais a fundo e sem hora marcada para ser mãe.
Com qualquer pessoa, mesmo que as relações se rompam, o que
está em torno pode ser preservado. Mas, quando envolve o fim de um casamento
onde o adolescente que fica tem pai e mãe, é perda quase que total. Se não se é
mais a mãedastra, o que você é em relação ao filho querido da véspera? Quem sou
hoje para o meu ex-enteado? Aliás,
existe ex-enteado? Inda mais quando se mora longe.
Por amor às palavras, sempre gosto de começar a falar das
coisas, nomeando-as, analisando seus nomes, dialogando com seus significados.
Pois a minha relação com meu querido filhote não tem nome que a defina. Só tem
mesmo o meu amor e a minha saudade, que hoje me põe a nocaute. É chorar, chorar e chorar... Não imagino o
motivo, mas há dias em que fico assim, inconsolável. Hoje é um desses dias
terríveis.
Ah, Vitor!, como sinto sua falta! Como lamento não ter você
por perto. Te amo demais. E sinto muita falta de você, do seu cheiro, da sua
voz, da sua conversa, do seu silêncio, da nossa cumplicidade.
Um beijo bem grande, meu amor.
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