Em 9 de novembro de 2013
CONTINHO MAIS QUE RAZOÁVEL...
ENFIM, O ENTENDIMENTO!
Eu quase juro que, não fosse o safanão que ele me deu pelo
braço, eu não o teria visto, cruzando comigo na calçada, eu que por ali passava
totalmente absorta em meus pensamentos e mais ainda entregue à pureza daquele
ar que invadia minhas narinas, tamanho o bem-estar vindo das árvores que me
cobriam, só vez por outra deixando passar frestinhas do sol brilhante que, por
cima de todos e de tudo, senhor de si, nos alumiava...
Pois o moço foi firme e decidido:
“- Quase não a pego. Fui à sua casa e me disseram que estava
entregue à natureza... mas eu não podia mais tardar em lhe conhecer e lhe
confidenciar um segredo, e familiar. Você precisa se precaver.”
Mal refeita do susto e sempre esperando pelo surgimento do
filho que papai haveria de ter tido fora do casamento (mesmo passados tantos e
tantos anos de sua morte, ainda tenho a estranha sensação de que aquela
gargalhada gostosa deve ter deixado mais alguns frutos pedidos por aí...), em
fração de segundos, imagino ter chegado a hora: olho os traços da criatura,
tento ver a marca da família em seu olhar, mas não me pareceu correr sangue meu
por aquelas veias a mim recém apresentadas. Pelo menos a julgar pela
aparência...
“- Pois, não, amigo. Quem é você? Estou surpresa...”
“- Não, não se assuste. Vejo que cheguei meio afobado e a
tirei de sua tranquilidade. É que queria chegar a tempo de preveni-la, mas,
pelo que me disseram em sua casa, não deu tempo.”
“- Como?”
“- É que, mesmo você não me conhecendo, sou seu primo. Mârfi
Pessanha. Prazer!...”
“- Murphy???????????? Como assim? Eme, u, erre, pê, agá,
ipsilone, Murphy?”
“É, o som é igual, mas o jeito de escrever é bem diferente.
Eu sou Mârfi, eme, a, acento circunflexo no a, erre, efe e i, Mârfi. É que sou de uma banda da família que os
Pessanha da cidade nunca conheceram. Sempre vivemos em Imburi de Barra, lá
pelas bandas do serão do antigo município de São João da Barra. Mas, posso dizer
a você que, com toda a diversidade na escrita, tenho em minha vida os mesmos
sintomas que no estrangeiro, nem sei bem onde, geraram as chamadas ‘Leis de
Murphy’. E soube que elas lhe são corriqueiras em sua vida.... Hoje, você sabe
bem, pelo Face nada é mais privado, nem nossas derrotas.”
A esta altura eu já havia convidado o parente e já havíamos
nos sentado no banquinho em baixo do pé de fícus da esquina, o mesmo onde em
muitas ocasiões já estive confortavelmente lendo meu jornal. A bem da verdade,
ele até que se sentou, mas, eu, podem crer, caí mesmo foi estatelada naquele
pedaço de madeira, duro demais naquele instante para receber o impacto de
minhas carnes trêmulas e frias, diante da surpreendente revelação.
O moço, de quem agora eu começava a perceber o quanto o
sangue que lhe corria nas veias eram meus aparentados, não podia supor, nem ao
longe, o significado daquele momento para mim. De repente, não mais que de
repente, a explicação para tantas e tantas circunstâncias vividas, onde tudo
que poderia dar errado, dava mesmo.
Fração de segundos e o pensamento correndo solto... Então ,
é isso? O exemplo mais recente foi o constatado ontem: para proteger os pés das
lindas cadeiras vindas de Minas, elas que ficam ao deus dará, ao lado da
piscina, pegando sol e chuva, quando da última tempestade, eu tratei de
proteger seus pés de madeira maciça, pensando o quanto lhe poderiam afetar
ficarem molhados quando de chuvas muito fortes que formavam poças a lhes
deixarem mergulhados, até a estiada chegar e lhe secar os vestígios. Tratei de
fazer umas capinhas de plástico bem forte e vesti cada pezinho, de baixo para
cima, de modo que, mesmo se chovesse canivete, eles estivessem a salvo. Minha
produtividade sempre inventa umas e outras alternativas para driblar as
possíveis rasteiras que a vida porventura queira me dar. Aquela foi apenas mais
uma...
Mas ontem, dia de festa em casa, som pronto para rolar, cada
amigo e amiga trazendo vozes e instrumentos – violão, atabaque, sax e muita
caixinha de fósforo (até um saleiro entrou na dança, perdão, na música) –, qual
não foi a minha surpresa? Ao cair da tarde, naquela hora em que pessoalmente
dava os últimos retoques no ambiente e que vou retirar os tais saquinhos para
deixar as cadeiras livres de sua proteção tão pretensamente bem imaginada por
mim, percebo que cada um deles, ao invés de cumprir o papel que eu,
inteligentemente pensei para lhes proteger, qual nada!, cada um havia se
transformado num depósito de água acumulada onde repousava cada pé à espera do
devido apodrecimento. Tudo que eu pensara, ao contrário! Pés afogados n’água.
Madeira boa prontinha para ser corroída pela destruição do elemento ameaçador.
De molho na água. Parecia carne-seca em véspera de feijoada. Guardando as
devidas proporções, cada pé estava para a quantidade de água do seu inusitado
recipiente como Maya Gabeira para a onde gigante que a fez sucumbir,
assustando-nos a todos, seus admiradores.
Final da história: Mârfi e eu, correndo pra casa, abrindo o
computador para buscar no Google algum antivírus para o mal comum, enquanto ele
e eu, quase sem fôlego, íamos contando, um para o outro, como numa competição
totalmente sem nexo, as inúmeras aplicações da nossa lei comum, essa mesmo que me faz ser a mais prevenida
das pessoas, e, olhem que mesmo assim, nem sempre consigo me livrar das
intempéries cotidianísticas (Existe tal expressão? Se não, está criada. Ou a
língua não é algo vivo que muda para dar conta do que vamos vivendo pela vida
afora?)
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