O QUE ME TRAZ FRANCISCO
Francisco, ontem vc me fez lembrar dos meus tempos de menina, bem menina ainda, quando eu fui receber, creio que com mamãe, a imagem de Nossa Senhora de Fátima lá no Automóvel Clube, em Campos. Por que foi lá, não tenho a menor ideia, mas que foi, foi. Sou reconhecidamente uma pessoa de parca memória, mas quando me lembro de algum acontecimento é porque foi daquele jeito,... sem nenhuma dúvida. O raro é haver a lembrança. Havendo, não ouse duvidar, a coisa é pra valer. E a lembrança daquele dia vem intensa – era gente demais, cantando, fervorosamente, os seus louvores e eu, criança ainda, atônita, ingenuamente entregue àquele momento de fé coletiva. Igreja, talvez tenha sido dali em diante, que passou a ser para mim a mais pura emoção à flor da pele. Se for daquelas, então, medievais, altíssimas, onde ficamos menores que insetos, prontos a sermos esmagados pela vontade divina, aí mesmo é que me deixo levar por forte emoção e elas, as lágrimas incontidas, chegam para alagar a face sem que nada as consiga deter. Se duvidar, soluço mais do que no dia em que assisti Suplício de uma Saudade.
Falei em receber Nossa Senhora de Fátima, quando foi a Campos e aí, do jeito que começam a borbulhar lembranças a me por pra escrever, lá vou eu escapulindo do catolicismo e me embrenhando pelos ares profanos da vida a me lembrar de outras visitas ilustres que me levaram às ruas de minha cidade, em tempos idos. Não vale rir do pulo que dou do papa à miss, mas de quem me lembro é de Marta Rocha, que fui receber no aeroporto e diante de quem fiquei sem ar quando, deslumbrante, desceu da escada do avião, tilintando as suas pulseiras cheias de berloques. (Deus meu, até de berloques eu me lembro. Garanto que pouca gente sabe o que é isso hoje em dia. Jovem que me lê, pergunte à sua avó, se viva for...). Outro visitante ilustre (e continuo pedindo clemência por juntar alhos e bugalhos...), dentre os que vi chegar a Campos, foi Carlos Lacerda, só para citar um grande líder que fazia e desfazia dentro da política brasileira da época, com seus discursos inigualáveis. Nesse dia, a grande lembrança é de papai, udenista tradicional na cidade, quase a explodir de emoção ao recebê-lo em frente lá de casa, na Beira Rio, com o coração quase a sair pela boca diante do ídolo de quem só mais tarde, bem mais tarde, eu fui saber das posições na trama de interesses políticos de então. A verdade é que de papai fiquei com várias de suas características, talvez a mais marcante a gargalhada farta, singular, em quem eu mesma me reconheço quando explodo em riso, mas não com a forma de ver e sentir a Política. Aí o desencontro foi pra lá de acentuado, para dizer o mínimo e não atazanar a memória do velho da mais bela cabeleira branca que conheci.
Mas, até aqui são puras divagações. Coisa mesmo de mãos irrequietas e mente transbordante de ideias que teimosamente fogem do fundo da alma. O visitante da vez é o argentino Francisco, com sua cara de gente boa, por conta de quem, ontem, até me pus a cantar o Hino do Vaticano (“Ó Roma Eterna dos mártires, dos santos...”), aprendido nos tempos do Auxiliadora de Irmã Zilda (dentre outras freiras, infelizmente!).
Pois Francisco chegou e lá fiquei eu, aparvalhada em frente à TV, acompanhando o seu trajeto e a beleza das pessoas, em sua pureza de sentirem-se como que abençoadas por vê-lo um pouco mais de perto. Muita gente junta é sempre comovente!
Fiel às minhas incertezas e contradições, fiquei assistindo você, Francisco, você que, com vigor, expõe minhas contradições, colocando-as nuas e cruas para mais uma vez serem vistas por mim e uma vez mais serem guardadas, sem soluções possíveis, pelo menos nos tempos que correm... Ainda bem que cada vez menos eu as temo, posto que antes repleta de dúvidas que podem (ou não) ser sanadas um dia do que de certezas que me congelem para sempre...
Digo que expõe as minhas contradições porque, para mim, você é fortemente a coisa e seu reverso. Como representante de Jesus aqui na terra, conta com minha incondicional admiração e respeito, pois que foi ele, não mais ninguém, quem me iniciou na busca por um viver menos afastado da humanização! Quando conheci Jesus, deixei de ser apenas eu sozinha e o meu semelhante passou a ser mais um pedaço de mim. Se mais tarde Marx me explicou, quem abriu meu coração para ver foi ele.
Também como argentino, assim como meu casal de filhos, você tem meu respeito, Francisco, pois que seu povo é de fazer inveja a qualquer um, como exemplo de cidadania. Em seu país foi onde eu vi um motorista de ônibus parar o veículo, levantar-se de sua cadeira, e dar lugar a uma mulher grávida, até que algum passageiro o fizesse e ele pudesse dar prosseguimento à viagem. A Argentina é, sem dúvida, a minha segunda pátria.
Infelizmente, Francisco, também a moeda que me une a você tem duas faces. E não há como negar, se num dos lados eu vejo nítida a figura de sua mansidão, combinando humanismo e esperança, do outro surge a negação dessa dimensão até poética. Falo, Francisco, da perversidade de você deixar uma parte de nós a descoberto, uma parte órfã, estarrecida e em aflição, pois, confesso, Francisco, está bem distante de cada um de nós a Santa Madre Igreja – Poderosa, Rica e Conservadora – e você, sendo o seu representante, me deixa inquieta, no mínimo, pela existência dos tesouros do Vaticano; no máximo, pela não resposta à desigualdade que se perpetua como natural entre nós.
Não sei, meu amigo, mas me parece não haver soluções à vista, é seguir tentando conviver com o mistério de se saber mais que imperfeita, pequenina, fugaz, impotente, ... até onde der pra ir. E que Nossa Senhora de Fátima nos proteja! Ah, e Nossa Senhora Auxiliadora também (que eu não estou aqui para provocar ciumeira e me deixar à deriva sem a ajuda dessas imponentes figuras, elas, sim, perfeitas, grandiosas, perenes e coisas tais). Amém.
Francisco, ontem vc me fez lembrar dos meus tempos de menina, bem menina ainda, quando eu fui receber, creio que com mamãe, a imagem de Nossa Senhora de Fátima lá no Automóvel Clube, em Campos. Por que foi lá, não tenho a menor ideia, mas que foi, foi. Sou reconhecidamente uma pessoa de parca memória, mas quando me lembro de algum acontecimento é porque foi daquele jeito,... sem nenhuma dúvida. O raro é haver a lembrança. Havendo, não ouse duvidar, a coisa é pra valer. E a lembrança daquele dia vem intensa – era gente demais, cantando, fervorosamente, os seus louvores e eu, criança ainda, atônita, ingenuamente entregue àquele momento de fé coletiva. Igreja, talvez tenha sido dali em diante, que passou a ser para mim a mais pura emoção à flor da pele. Se for daquelas, então, medievais, altíssimas, onde ficamos menores que insetos, prontos a sermos esmagados pela vontade divina, aí mesmo é que me deixo levar por forte emoção e elas, as lágrimas incontidas, chegam para alagar a face sem que nada as consiga deter. Se duvidar, soluço mais do que no dia em que assisti Suplício de uma Saudade.
Falei em receber Nossa Senhora de Fátima, quando foi a Campos e aí, do jeito que começam a borbulhar lembranças a me por pra escrever, lá vou eu escapulindo do catolicismo e me embrenhando pelos ares profanos da vida a me lembrar de outras visitas ilustres que me levaram às ruas de minha cidade, em tempos idos. Não vale rir do pulo que dou do papa à miss, mas de quem me lembro é de Marta Rocha, que fui receber no aeroporto e diante de quem fiquei sem ar quando, deslumbrante, desceu da escada do avião, tilintando as suas pulseiras cheias de berloques. (Deus meu, até de berloques eu me lembro. Garanto que pouca gente sabe o que é isso hoje em dia. Jovem que me lê, pergunte à sua avó, se viva for...). Outro visitante ilustre (e continuo pedindo clemência por juntar alhos e bugalhos...), dentre os que vi chegar a Campos, foi Carlos Lacerda, só para citar um grande líder que fazia e desfazia dentro da política brasileira da época, com seus discursos inigualáveis. Nesse dia, a grande lembrança é de papai, udenista tradicional na cidade, quase a explodir de emoção ao recebê-lo em frente lá de casa, na Beira Rio, com o coração quase a sair pela boca diante do ídolo de quem só mais tarde, bem mais tarde, eu fui saber das posições na trama de interesses políticos de então. A verdade é que de papai fiquei com várias de suas características, talvez a mais marcante a gargalhada farta, singular, em quem eu mesma me reconheço quando explodo em riso, mas não com a forma de ver e sentir a Política. Aí o desencontro foi pra lá de acentuado, para dizer o mínimo e não atazanar a memória do velho da mais bela cabeleira branca que conheci.
Mas, até aqui são puras divagações. Coisa mesmo de mãos irrequietas e mente transbordante de ideias que teimosamente fogem do fundo da alma. O visitante da vez é o argentino Francisco, com sua cara de gente boa, por conta de quem, ontem, até me pus a cantar o Hino do Vaticano (“Ó Roma Eterna dos mártires, dos santos...”), aprendido nos tempos do Auxiliadora de Irmã Zilda (dentre outras freiras, infelizmente!).
Pois Francisco chegou e lá fiquei eu, aparvalhada em frente à TV, acompanhando o seu trajeto e a beleza das pessoas, em sua pureza de sentirem-se como que abençoadas por vê-lo um pouco mais de perto. Muita gente junta é sempre comovente!
Fiel às minhas incertezas e contradições, fiquei assistindo você, Francisco, você que, com vigor, expõe minhas contradições, colocando-as nuas e cruas para mais uma vez serem vistas por mim e uma vez mais serem guardadas, sem soluções possíveis, pelo menos nos tempos que correm... Ainda bem que cada vez menos eu as temo, posto que antes repleta de dúvidas que podem (ou não) ser sanadas um dia do que de certezas que me congelem para sempre...
Digo que expõe as minhas contradições porque, para mim, você é fortemente a coisa e seu reverso. Como representante de Jesus aqui na terra, conta com minha incondicional admiração e respeito, pois que foi ele, não mais ninguém, quem me iniciou na busca por um viver menos afastado da humanização! Quando conheci Jesus, deixei de ser apenas eu sozinha e o meu semelhante passou a ser mais um pedaço de mim. Se mais tarde Marx me explicou, quem abriu meu coração para ver foi ele.
Também como argentino, assim como meu casal de filhos, você tem meu respeito, Francisco, pois que seu povo é de fazer inveja a qualquer um, como exemplo de cidadania. Em seu país foi onde eu vi um motorista de ônibus parar o veículo, levantar-se de sua cadeira, e dar lugar a uma mulher grávida, até que algum passageiro o fizesse e ele pudesse dar prosseguimento à viagem. A Argentina é, sem dúvida, a minha segunda pátria.
Infelizmente, Francisco, também a moeda que me une a você tem duas faces. E não há como negar, se num dos lados eu vejo nítida a figura de sua mansidão, combinando humanismo e esperança, do outro surge a negação dessa dimensão até poética. Falo, Francisco, da perversidade de você deixar uma parte de nós a descoberto, uma parte órfã, estarrecida e em aflição, pois, confesso, Francisco, está bem distante de cada um de nós a Santa Madre Igreja – Poderosa, Rica e Conservadora – e você, sendo o seu representante, me deixa inquieta, no mínimo, pela existência dos tesouros do Vaticano; no máximo, pela não resposta à desigualdade que se perpetua como natural entre nós.
Não sei, meu amigo, mas me parece não haver soluções à vista, é seguir tentando conviver com o mistério de se saber mais que imperfeita, pequenina, fugaz, impotente, ... até onde der pra ir. E que Nossa Senhora de Fátima nos proteja! Ah, e Nossa Senhora Auxiliadora também (que eu não estou aqui para provocar ciumeira e me deixar à deriva sem a ajuda dessas imponentes figuras, elas, sim, perfeitas, grandiosas, perenes e coisas tais). Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário