50 anos depois – curto registro
(Escrito em 1/04/2014)
A única certeza que tenho é que a esta hora
deveria estar indo para o Grupo Escolar “Benta Pereira”, do outro lado do Rio,
pois trabalhava no turno intermediário, o que ia de 10(ou seria 11h?) às 14h.
Formada professora no ano anterior (teoricamente, pelo menos, pois que foi na
vida profissional que fui tentando me formar através dos anos), estava indo dar
aulas, cheia de entusiasmo, a uma turma de alfabetização a mim entregue uma
semana antes, no dia em que conheci uma sala de aula pela primeira vez – no dia
25 de março.
Devo ter ido, como sempre o fazia, a pé,
caminhando pela Beira Rio, até encontrar a Ponte de Pau, por onde cruzava de um
lado para o outro, e seguir até a escola.
Provavelmente, ao chegar ao meu destino, devo
ter conversado um tantinho com as colegas e seguido para a sala de aula onde
havia uma menininha que cantou para mim – se não nesse dia, num outro, próximo
– “Deixe que digam, que falem, que pensem, deixa isso pra lá, vem pra cá, o
que que tem? Eu não estou fazendo nada, você também... E ela fazia acompanhar seu canto com um gestual
com as mãos, aprendido, naturalmente, com Jair Rodrigues, em algum programa de
televisão da ocasião. Tev daquelas ainda sem cor, para cuja melhora da imagem,
lembro bem, havia quem aconselhasse a colocar uma folha de papel celofane azul
em frente à tela.
Mocinha sem nenhuma preocupação a mais a não
ser a da última paquera ou do feitio para o vestido novo, a tudo que se passava
no país eu estava alheia. De Jango, eu sabia que tinha uma mulher linda. Isso
era o relevante., a beleza de Maria Tereza Goulart. Seria pedir demais, saber
mais que isso. Até o final do ano anterior, quando concluí o curso normal, rezava
no Auxiliadora para o comunismo não chegar e acreditava piamente em ele se
confundia com nazismo e fascismo. Tudo era mais ou menos a mesma coisa. Mais
raso conhecimento sobre o mundo e suas coisas, impossível! Do lado de cá, o do “bem”,
da Igreja Católica, a tentativa, quase inócua, de me preparar para a vida, não
essa, mas a outra, a próxima. Aqui era mesmo vale de lágrimas, lugar onde havia
pobres e ricos sabe-se lá por quê. Mas era assim e pronto. Jesus foi pobre e
amava os pobres. Mas como eles, os pobres, os de carne e osso viviam, não
importava muito. Oremuuuuuuuuuuuus! O mundo era dividido entre bons e maus e o
que tinha os Estados Unidos à frente era o Norte do bem.
Vinha de uma fase muito religiosa, eu que aos
15 anos perdi meu irmão mais adorado e, sem entender o que era aquilo – a perda
brutal de Maninho – me refugiei em Padre Boaventura, do Convento, a quem até hoje
agradeço por sua generosidade sem par, ele que, mesmo sem me trazer nenhuma
explicação para a morte (até hoje não sei nem porque chegamos aqui, quanto mais
porque partimos), aliviou minha dor profunda. Fazer 15 anos foi bem diferente
para mim: ao invés de festa, o primeiro luto. E logo pelo meu ídolo!
Hoje, 50 anos depois, estou em cima da hora
para a minha terapia. Não quis deixar para rever este texto e concluir mais
tarde. Deixo assim para mais tarde ver o que faço daqui para a frente com ele.
Não deu para falar quase nada. Mas, deixar para depois seria perder o mote do
início – o de que estou a exatos cinquenta anos após as 10 e meia do dia
primeiro de abril de 1964.
Apenas um detalhe: com certeza, a necessidade
de terapia tem muito a ver com tudo isso – o dito e escrito e o ainda não dito
mas residente aqui, permanentemente, em minha alma.
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