quarta-feira, 6 de julho de 2016

 
50 anos depois – curto registro

(Escrito em 1/04/2014)

A única certeza que tenho é que a esta hora deveria estar indo para o Grupo Escolar “Benta Pereira”, do outro lado do Rio, pois trabalhava no turno intermediário, o que ia de 10(ou seria 11h?) às 14h. Formada professora no ano anterior (teoricamente, pelo menos, pois que foi na vida profissional que fui tentando me formar através dos anos), estava indo dar aulas, cheia de entusiasmo, a uma turma de alfabetização a mim entregue uma semana antes, no dia em que conheci uma sala de aula pela primeira vez – no dia 25 de março.
Devo ter ido, como sempre o fazia, a pé, caminhando pela Beira Rio, até encontrar a Ponte de Pau, por onde cruzava de um lado para o outro, e seguir até a escola.

Provavelmente, ao chegar ao meu destino, devo ter conversado um tantinho com as colegas e seguido para a sala de aula onde havia uma menininha que cantou para mim – se não nesse dia, num outro, próximo – “Deixe que digam, que falem, que pensem, deixa isso pra lá, vem pra cá, o que que tem? Eu não estou fazendo nada, você também... E ela fazia acompanhar seu canto com um gestual com as mãos, aprendido, naturalmente, com Jair Rodrigues, em algum programa de televisão da ocasião. Tev daquelas ainda sem cor, para cuja melhora da imagem, lembro bem, havia quem aconselhasse a colocar uma folha de papel celofane azul em frente à tela.
Mocinha sem nenhuma preocupação a mais a não ser a da última paquera ou do feitio para o vestido novo, a tudo que se passava no país eu estava alheia. De Jango, eu sabia que tinha uma mulher linda. Isso era o relevante., a beleza de Maria Tereza Goulart. Seria pedir demais, saber mais que isso. Até o final do ano anterior, quando concluí o curso normal, rezava no Auxiliadora para o comunismo não chegar e acreditava piamente em ele se confundia com nazismo e fascismo. Tudo era mais ou menos a mesma coisa. Mais raso conhecimento sobre o mundo e suas coisas, impossível! Do lado de cá, o do “bem”, da Igreja Católica, a tentativa, quase inócua, de me preparar para a vida, não essa, mas a outra, a próxima. Aqui era mesmo vale de lágrimas, lugar onde havia pobres e ricos sabe-se lá por quê. Mas era assim e pronto. Jesus foi pobre e amava os pobres. Mas como eles, os pobres, os de carne e osso viviam, não importava muito. Oremuuuuuuuuuuuus! O mundo era dividido entre bons e maus e o que tinha os Estados Unidos à frente era o Norte do bem.

Vinha de uma fase muito religiosa, eu que aos 15 anos perdi meu irmão mais adorado e, sem entender o que era aquilo – a perda brutal de Maninho – me refugiei em Padre Boaventura, do Convento, a quem até hoje agradeço por sua generosidade sem par, ele que, mesmo sem me trazer nenhuma explicação para a morte (até hoje não sei nem porque chegamos aqui, quanto mais porque partimos), aliviou minha dor profunda. Fazer 15 anos foi bem diferente para mim: ao invés de festa, o primeiro luto. E logo pelo meu ídolo!

Hoje, 50 anos depois, estou em cima da hora para a minha terapia. Não quis deixar para rever este texto e concluir mais tarde. Deixo assim para mais tarde ver o que faço daqui para a frente com ele. Não deu para falar quase nada. Mas, deixar para depois seria perder o mote do início – o de que estou a exatos cinquenta anos após as 10 e meia do dia primeiro de abril de 1964.

Apenas um detalhe: com certeza, a necessidade de terapia tem muito a ver com tudo isso – o dito e escrito e o ainda não dito mas residente aqui, permanentemente, em minha alma.

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