sábado, 2 de julho de 2016

CRENÇA NA DESCRENÇA
(escrito no dia 2 de julho de 2016)
Leio Fernando Pessoa e mais uma vez me leio nas palavras dele. Ele fala da continuidade do mundo, do real, da vida, mesmo que ele esteja ausente. Maneira fria (para mim, realista) de encarar a nossa ínfima dimensão, até circunstancial, de existirmos. Sou até deixar de ser. Somos até virarmos passado. Sou enquanto – e apenas enquanto – sou. Tudo segue seu tempo, seu ritmo, seu viver em meio aos outros – seres, coisas, espaços, formas, natureza – até cada qual deixar de estar, deixar de existir, acabar.
O poeta, maravilhosamente diz da primavera que se segue a ele:

“Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 

As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim. [...]”

E eu, que vivo o inverno brasileiro, gostoso quando se tem agasalhos – e eu os tenho suficientes – sabendo que há também por aqui, como em Portugal, mesmo que em outro tempo-espaço, uma primavera por chegar, sei que ela aqui estará alheia a quem estará de braços abertos e mãos serenas para colher suas flores, sentir o perfume dos seus jasmins ou mirar a acácia imperial que nela floresce. Os sujeitos dessa nova colheita serão os que simplesmente serão. Suas vontades não determinarão sua estada por aqui.
Esta sou eu. Minha fé é no agora, no gozo ou no que seja, mas apenas concentrado neste momento. Fé na mão divina não alcanço. Altura em demasia para minha curta estatura. O que virá não passa por mim nem pelo que aparo com minhas mãos e esperanças. Não adianta pedir, rogar, expectar. A primavera será estação vista e sentida por uns e não recebida por tantos outros. E isso não depende da vontade de ninguém. Rezar pra quê? Por que o Deus dos que a ele rogam me atenderia Ou atenderia a alguém?)? Não consigo crer nessa hipótese que se apega a um superior para que ele reveja seus traçados e proposições.
A Ciência, que é a Ciência, mesma ela tem seus limites e impossibilidades. A vida se faz de acordo com desígnios que não necessariamente, muito pelo contrário, passam pelas decisões de quem por ela atravessa, com maior ou menor cuidado, com maior empenho ou menos zelo. Num simples acidente, quem traça a matemática em que de um lado há vivos e no outro há mortos não sou eu. Sobre tal equação não passa por mim a sua resolução. Nada posso fazer para encontrar o valor de x.
Não creio que minhas escolhas sejam de fato o que traça o tracejado do caminho. Há algo além de mim que cria as curvas, paradas, esquinas, vielas e términos. Isso é um pedaço de meu entendimento. Não depende de mim. Outra parte da história é que quem decide – a Física, a Biologia, a Medicina ou Deus – têm suas próprias premissas, categorias, encaminhamentos. É o que é. Não o que o admirador de primaveras possa desejar para si ou para alguém.
Mas isso não me causa tristeza nem decepção. É que procuro cada vez mais viver o agora com o melhor de mim posto em ação, e, com isso, sinto-me vivendo o dia de hoje com a sua grandeza, irrepetibilidade, manhas e peculiaridades. É como disse um dia desses: trata-se de tentar, tentar e tentar ir descobrindo e vivendo o tamanho das coisas... Ou, como muito melhor que eu, diz o poeta: “o que for, quando for, é que será o que é”. 

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