domingo, 3 de julho de 2016

VIDA VIVA E VIVIDA
(Escrito no dia 5/3/2016)




A televisão de 1960 eram as revistas. A cada semana ou mês, as casas das famílias de classe média eram invadidas por muitas delas – o Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, Querida, Claudia – e ali estavam os assuntos "importantes" vindos do mundo todo para ocupar as conversas e os novos feitios de vestido a serem, cada um a seu tempo, postos em prática pelos brasileiros e brasileiras expostos a tal influência, selecionada para nos fazer ser o que estávamos programados para vir a ser. Claro que não de maneira absoluta, óbvio!, pois como gramsciana ferrenha (Minha cabeça acolhe Gramsci com particular respeito) sempre identifico ações alternativas que contradigam a lógica do poder. A hegemonia realmente não reina absoluta sem a chama criativa e lúcida da contra-hegemonia. Mas, que eram narrativas e valores que se instalavam em cada um de nós, quase sem oposição externa, ah, isso era.

A cada semana, Marta Rocha, Farah Diba (Antes, Soraia), Kennedy, Papa Pio XII, Gina Lolobrigida, Chanel estavam com suas fisionomias estampadas nas capas a nos direcionar para os assuntos que deveriam nos preocupar, além de nos infundir certezas – silenciosas ou gritadas – sobre o que é ser mulher, sobre o que é ser bonita, sobre o que é ser gente de verdade que tem valor, coisas, assim, definitivas, para quem está começando a vida carregado de dúvidas e de uma inútil certeza – a de que existe um único caminho a ser buscado e trilhado. As revistas estavam ali para isso – para nos indicar qual era ele – o caminho da verdade e da vida. Para ser aceito, amém!


O sofrimento de Soraya, imperatriz da Pérsia para ter um filho – que não teve – foi amplamente acompanhado com orações e torcidas, fazendo com que a sucessora (Logo depois, título de novela da GLOBO), Farah Diba, nunca tivesse sido bem aceita, por mais linda que fosse e por mais que tivesse passado a ser capa junto ao Xá em inúmeras de nossas revistas preferidas. Se o Xá subordinava o país aos Estados Unidos, isso não importava, era um pequeníssimo detalhe em nossa alienação produzida pelo contexto, mais agudamente (creio eu) para nós, do Auxiliadora. Até porque os Estados Unidos eram Kennedy e eram a fonte privilegiada e admirada de filmes e mais filmes que nos emocionavam, pelo menos uma vez por semana, com seus exuberantes atores e atrizes (Quem haveria de resistir a William Holden dançando “Moonglow”com Kim Novak em Pic Nic?) Nada melhor! 


Era isso mesmo que deveríamos buscar, moças bonitas: um homem “a caminho do sucesso” para sermos suas esposas fiéis e para sempre. É bem verdade que começávamos a ler Carmen da Silva, na revista Claudia, em sua coluna “A arte de ser mulher”, abrindo novas perspectivas quanto ao tema, mas o sonho de pôr em prática o escambo prático-afetivo homem-mulher mantinha-se de pé. Só bem mais tarde, Leila Diniz e Dina Sfat passariam a ser capa... E quando elas viraram capa, nós também fomos chegando às primeiras páginas de nossas próprias vidas...
Kennedy foi um caso totalmente à parte. Morto, ganhou missa de sétimo dia, em Campos, onde eu vivia na época, com o Convento dos Padres Redentoristas sem nenhum espaço livre, superlotado, com choros convulsivos espalhando-se pelo enorme recinto, tamanha a dor de cada “parente” ali contrito a rezar pelo presidente – lindo, de mulher linda, de filhos lindos, sobre quem nem de longe suspeitávamos de seu papel na história mundial, mais particularmente em relação à Ilha.


(Todas essas rememorações numa quarta-feira de cinzas onde avalio como andei na contramão de tudo isso. Três maridos, todos pobres. Príncipe encantado? Qual nada! Mamãe – e as revistas de antigamente – bem que poderiam ter tido um pouco mais de ascendência sobre mim. Mas, tudo tem vários lados – cá estou eu, quase septuagenária, trabalhando, exercitando a lucidez e a sensibilidade que ainda brinca de viver! Isso é muito bom, creio eu. Mas ter que continua trabalhando e não ter tempo nem para dar uma piscadinha para Rodrigo Hilbert enquanto ele ensina a fazer torta de rã pela TV, nossa revistona de hoje em dia, aí é demais...)


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