VIDA VIVA E VIVIDA
(Escrito no dia 5/3/2016)
A televisão
de 1960 eram as revistas. A cada semana ou mês, as casas das famílias de classe
média eram invadidas por muitas delas – o Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos,
Querida, Claudia – e ali estavam os assuntos "importantes" vindos do
mundo todo para ocupar as conversas e os novos feitios de vestido a serem, cada
um a seu tempo, postos em prática pelos brasileiros e brasileiras expostos a
tal influência, selecionada para nos fazer ser o que estávamos programados para
vir a ser. Claro que não de maneira absoluta, óbvio!, pois como gramsciana
ferrenha (Minha cabeça acolhe Gramsci com particular respeito) sempre
identifico ações alternativas que contradigam a lógica do poder. A hegemonia
realmente não reina absoluta sem a chama criativa e lúcida da contra-hegemonia.
Mas, que eram narrativas e valores que se instalavam em cada um de nós, quase
sem oposição externa, ah, isso era.
A cada semana, Marta Rocha, Farah Diba (Antes, Soraia), Kennedy,
Papa Pio XII, Gina Lolobrigida, Chanel estavam com suas fisionomias estampadas
nas capas a nos direcionar para os assuntos que deveriam nos preocupar, além de
nos infundir certezas – silenciosas ou gritadas – sobre o que é ser mulher,
sobre o que é ser bonita, sobre o que é ser gente de verdade que tem valor,
coisas, assim, definitivas, para quem está começando a vida carregado de
dúvidas e de uma inútil certeza – a de que existe um único caminho a ser
buscado e trilhado. As revistas estavam ali para isso – para nos indicar qual
era ele – o caminho da verdade e da vida. Para ser aceito, amém!
O sofrimento de Soraya, imperatriz da Pérsia para ter um filho –
que não teve – foi amplamente acompanhado com orações e torcidas, fazendo com
que a sucessora (Logo depois, título de novela da GLOBO), Farah Diba, nunca
tivesse sido bem aceita, por mais linda que fosse e por mais que tivesse
passado a ser capa junto ao Xá em inúmeras de nossas revistas preferidas. Se o
Xá subordinava o país aos Estados Unidos, isso não importava, era um
pequeníssimo detalhe em nossa alienação produzida pelo contexto, mais
agudamente (creio eu) para nós, do Auxiliadora. Até porque os Estados Unidos
eram Kennedy e eram a fonte privilegiada e admirada de filmes e mais filmes que
nos emocionavam, pelo menos uma vez por semana, com seus exuberantes atores e
atrizes (Quem haveria de resistir a William Holden dançando “Moonglow”com Kim
Novak em Pic Nic?) Nada melhor!
Era isso mesmo que deveríamos buscar, moças bonitas: um homem “a
caminho do sucesso” para sermos suas esposas fiéis e para sempre. É bem verdade
que começávamos a ler Carmen da Silva, na revista Claudia, em sua coluna “A
arte de ser mulher”, abrindo novas perspectivas quanto ao tema, mas o sonho de
pôr em prática o escambo prático-afetivo homem-mulher mantinha-se de pé. Só bem
mais tarde, Leila Diniz e Dina Sfat passariam a ser capa... E quando elas
viraram capa, nós também fomos chegando às primeiras páginas de nossas próprias
vidas...
Kennedy foi um caso totalmente à parte. Morto, ganhou missa de
sétimo dia, em Campos, onde eu vivia na época, com o Convento dos Padres
Redentoristas sem nenhum espaço livre, superlotado, com choros convulsivos
espalhando-se pelo enorme recinto, tamanha a dor de cada “parente” ali contrito
a rezar pelo presidente – lindo, de mulher linda, de filhos lindos, sobre quem
nem de longe suspeitávamos de seu papel na história mundial, mais
particularmente em relação à Ilha.
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