MAMÃE, UMA
MULHER DE VANGUARDA
(escrito em abril de 2014 e completado em 06/07/2016)
Minha mãe, Ana. |
Minhas
histórias de amor, ela sempre sabia. Éramos amigas e eu trocava confidências
com ela. Mas era de outra geração. A
questão da sexualidade passava ao largo. Mas ela sabia dos apelos dos hormônios.
Vivia a me vigiar em meu namoro com meu grande amor de adolescência. Havia
lugares “certos” para eu namorar, de tal modo que facilitasse a observação
materna.
Para dar conta
o quanto era mais esperta do que se podia imaginar, há o caso dela em relação à
frase que um amigo escreveu na parede da sala da frente (há uma outra postagem em
que falo sobre o assunto). Foi quando da ida de Rui Mauriti à salinha para um
encontro musical, quando de uma sua ida a Campos. Mamãe, que eu julgava ser uma
pessoa ingênua, totalmente sem malícia, ao ver o que ele registrou na brancura
da parede "as melhores coisas da
vida são um whisky antes e um cigarro
depois", lá veio ela ao meu encontro, fazendo-se de zangada, não sei se
exigindo que a frase fosse apagada ou já tendo,ela própria, tomado tal
providência. Danadinha, a tal de dona Neném. Creio que ali quem fez teatro
mesmo foi ela, pois que não era de seu perfil ser contra tais prazeres,
notadamente o que recheava a frase do compositor. Mas, estava de acordo com o
contexto campista-interiorano de então: gostar do prazer era uma coisa, outra
era publicamente admitir isso. Ainda mais aceitar que a filha falasse sobre o
assunto com um “estranho”, a ponto dele expor sua preferência num registro
escrito.
Na verdade, eu
só fui conhecer mais a fundo o vanguardismo de mamãe, aquela mulher tão simples
e do interior de Campos, nascida e criada em Morro do Coco, quando, aí eu já
com uns trinta e alguns anos, ao ter o segundo filho, morando em Niterói, e me
ver indagada pelo médico sobre uma possível ligadura de trompas. O menino (Martin)
que estava por chegar havia se revirado em meu ventre, a cesariana precisava
ser feita e talvez fosse a oportunidade de aproveitar a ocasião e encerrar as
minhas possibilidades de procriação, fazendo a ligadura das trompas. Acredite
quem quiser: eu ali, em dúvida, sem saber bem o que responder, e mamãe simplesmente
pondera:
- "Sei não... a relação dos
dois (referindo-se a mim e a JC) me parece que não está tão bem assim, será que
deve? Talvez não..." Ou seja, mamãe, do alto dos seus 80 anos, com toda a
sua história de mulher simplória, de poucas letras, que só saiu da roça e
conheceu Campos no dia em que se casou, ela mesma estava especulando a
possibilidade de um terceiro casamento na vida de sua caçula. E com
filhos.
Ah, mamãe!
Vontade de bater um longo papo com a senhora sobre o que andei aprontando pela
vida afora. Um daqueles papos sem hora para acabar, como um dia desses, quando
faltou luz aqui em casa um tempão, e Mari Mari veio se deitar comigo e
conversamos no escurinho, à luz de velas, sem pressa, e eu revelei pra ela um
bocado de meus segredos...
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