quarta-feira, 6 de julho de 2016

MAMÃE, UMA MULHER DE VANGUARDA

(escrito em abril de 2014 e completado em 06/07/2016)

Minha mãe, Ana.

Minhas histórias de amor, ela sempre sabia. Éramos amigas e eu trocava confidências com ela.  Mas era de outra geração. A questão da sexualidade passava ao largo. Mas ela sabia dos apelos dos hormônios. Vivia a me vigiar em meu namoro com meu grande amor de adolescência. Havia lugares “certos” para eu namorar, de tal modo que facilitasse a observação materna.

Para dar conta o quanto era mais esperta do que se podia imaginar, há o caso dela em relação à frase que um amigo escreveu na parede da sala da frente (há uma outra postagem em que falo sobre o assunto). Foi quando da ida de Rui Mauriti à salinha para um encontro musical, quando de uma sua ida a Campos. Mamãe, que eu julgava ser uma pessoa ingênua, totalmente sem malícia, ao ver o que ele registrou na brancura da parede  "as melhores coisas da vida são um whisky antes e um cigarro depois", lá veio ela ao meu encontro, fazendo-se de zangada, não sei se exigindo que a frase fosse apagada ou já tendo,ela própria, tomado tal providência. Danadinha, a tal de dona Neném. Creio que ali quem fez teatro mesmo foi ela, pois que não era de seu perfil ser contra tais prazeres, notadamente o que recheava a frase do compositor. Mas, estava de acordo com o contexto campista-interiorano de então: gostar do prazer era uma coisa, outra era publicamente admitir isso. Ainda mais aceitar que a filha falasse sobre o assunto com um “estranho”, a ponto dele expor sua preferência num registro escrito.

Na verdade, eu só fui conhecer mais a fundo o vanguardismo de mamãe, aquela mulher tão simples e do interior de Campos, nascida e criada em Morro do Coco, quando, aí eu já com uns trinta e alguns anos, ao ter o segundo filho, morando em Niterói, e me ver indagada pelo médico sobre uma possível ligadura de trompas. O menino (Martin) que estava por chegar havia se revirado em meu ventre, a cesariana precisava ser feita e talvez fosse a oportunidade de aproveitar a ocasião e encerrar as minhas possibilidades de procriação, fazendo a ligadura das trompas. Acredite quem quiser: eu ali, em dúvida, sem saber bem o que responder, e mamãe simplesmente  pondera:  -  "Sei não... a relação dos dois (referindo-se a mim e a JC) me parece que não está tão bem assim, será que deve? Talvez não..." Ou seja, mamãe, do alto dos seus 80 anos, com toda a sua história de mulher simplória, de poucas letras, que só saiu da roça e conheceu Campos no dia em que se casou, ela mesma estava especulando a possibilidade de um terceiro casamento na vida de sua caçula. E com filhos. 

Ah, mamãe! Vontade de bater um longo papo com a senhora sobre o que andei aprontando pela vida afora. Um daqueles papos sem hora para acabar, como um dia desses, quando faltou luz aqui em casa um tempão, e Mari Mari veio se deitar comigo e conversamos no escurinho, à luz de velas, sem pressa, e eu revelei pra ela um bocado de meus segredos...



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