sábado, 2 de julho de 2016


Incertezas – até quando, ó céus?

                                                                                                                (Escrito em  18/07/2013
Já desde nova, angustiava-me ver como as pessoas sabiam as coisas e tinham respostas certeiras quando indagadas sobre algo. Fosse sobre o que fosse, respostas havia. E rápidas. Fosse sobre o tipo de filme de que gostava e pronto: a língua do inquirido, quase antes da pergunta, já estava inquieta, fora da boca dando sinais de que o cinema francês era superior ao americano (ou vice- versa); fosse sobre a salada que mais lhe apetecia e, de modo idêntico, lá ia o sabe-tudo da vez anunciar uma resposta carregada de conhecidos sabores, afiada, pronta, imediata. Dúvidas pareciam não fazer parte do universo dos meus amigos e amigas, desde sempre. Era como se houvesse uma prateleira de respostas prontas, arquivadas meio escondidas por trás das amígdalas de cada qual, à espera da pergunta que as faria serem dadas à luz, com saúde, fortes, poderosas, como que humilhando a mim, eu que era um poço de incertezas e gostos variados, desregrados e amplos. Para mim, homem bonito poderia ser o motorista do ônibus do Caju ou o artista hollywoodiano do último filme no Cine Goitacá. Sabia Deus quem viria em primeiro lugar à minha mente? Comida apetitosa poderia ser tanto a carne assada suculenta de mamãe como a maionese de camarão do Palace, inesquecível, recém descoberta lá pelos meus 20 anos... ou...
E assim era a coisa...fosse sobre o que fosse, as certezas diante da vida sempre me amedrontaram. O “ou isto ou aquilo” não combinava com meu jeito de ser e viver. Dependia. Sempre dependia. Sempre podia ser assim ou assado. Minha hesitação era tamanha que, ainda aos vinte e poucos anos já recolhera de uma página de revista uma frase que me acompanha, já descolorida, onde quer que eu esteja: “penso, logo existo e hesito”. Finalmente eu havia encontrado a ideia completa, capaz de dar sentido mais palpável e verdadeiro ao simples existir por pensar, do grande pensador.
Excetuando-se algumas raríssimas certezas – melhor filme? Cinema Paradiso; melhor lugar do mundo? Atafona; maior conquista e prazer na vida: ter meus dois filhos; e pouquíssimas outras mais, que dá para contar nos dedos das mãos, tudo para mim sempre foi incerto, fugaz, alvo de possibilidades e impossibilidades.  A verdade de hoje sempre podia se revelar a dúvida de amanhã. Tudo valia até deixar de valer. Tudo sempre foi o melhor até deixar de ser. Ou o pior, sei lá...
Não apenas adolescente, mas já adulta, estar em conversas de grupo sempre era motivo de angústia. Eram provas a serem vencidas: as pessoas a saberem coisas e eu a não saber – ou não saber mesmo ou não saber ainda, eu em dúvida, eu sem respostas prontas.
Foram necessários anos e anos de muitos divãs para que eu passasse a conviver em harmonia com o poço de dúvidas que habitavam meu interior. Não saber passou até a ser uma forma de viver valorizada por mim. E, com o tempo, confesso, encontrei um jeito jocoso de despir minha incapacidade de ter certezas: quando perguntada sobre alguma coisa, eu dizia que seria preciso esperar Carmen e Lucia se entenderam, já que enquanto “uma parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém, fundo sem fundo.” Nome duplo, incertezas justificadas.
Claro que alguns aspectos de meu perfil foram se tornando mais definidos e me dando algumas pistas de mim mesma. Comecei por perceber do que eu não gostava. Não sei por que motivo mas me parece ser meio comum este trajeto – identificar com maior clareza o que não se quer. Muito mais do que saber do que gostava, era mais possível ir afastando aquilo de que não gostava. Com uma coisa e outra é que sabia de mim com um pouco menos de incerteza:  de acordar cedo, mesmo dormindo  bem mais tardel na véspera, sempre era  acordar e pular da cama, sem pestanejar e sem vacilos ou perda de tempo; sempre fui organizada com as coisas e com o trabalho, possuindo método para trabalhar, sempre indo do mais simples para o mais complexo;  o trabalho sempre foi central em minha vida, eixo mesmo, espinha dorsal do viver...
Sobre as demais e tantas e tantas incertezas, a solução, imaginava, deveria vir com a maturidade. Essa era a esperança. Com o tempo eu deveria ter opiniões mais sólidas e menos vulneráveis sobre as coisas. Homem bonito é isto, filme bom é aquilo, comida deliciosa é feita assim, viagem tranquila é deste jeito, e assim por diante...
Pois hoje, lamento informar, até o que era um jeito já proclamado de ser em mim vai indo pras cucuias. Sempre acordei cedo, agora fico até tarde na cama, com preguiça de me levantar. Vivi um casamento onde fui gueixa dedicada 24 horas por dia (e o pior – tenho saudades da pele ressecada do companheiro para que eu espalhe, delicadamente, um bom hidradante após o banho), nem sempre faço mais a minha cama e deixo tudo como estava ao amanhecer, esperando meu corpo de volta ao final do dia...
Onde vai dar toda essas descertezas não ouso imaginar. Mas vou com elas adiante. Pelo menos, tudo é intenso e pode mudar. Melhor assim. Se tudo fosse definitivo, quem sabe eu estaria num convento, seduzida que fui por uma das freiras do Auxiliadora logo depois que, com a alma enlutada, aos 15 anos, perdi Maninho. Já pensou?

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