sábado, 28 de novembro de 2015

MEDIDA CERTA
(INICIADO HÁ MUITO TEMPO E CONCLUÍDO EM 28/11/2015)
Há quanto tempo venho ao meu encontro? Por quantas encruzilhadas passei, desviando o corpo e a alma das esquinas perigosas, não as da vida cá de fora mas as da profundeza da dúvida, aquelas que permanecem aprisionadas dentro de nós, à espera da redescoberta salvadora, a que nos liberta de nossos medos, de nossos equívocos, de nossos fantasmas?
Não foi ontem nem coisa de pouco tempo, mas vem de longe a procura incessante por mim mesma. Só de terapia lá se vão quase 40 anos, com alguns intervalos, é verdade, vez por outra variando de terapeuta, mas nunca me vi tão diante de mim como agora.
O tal do amadurecimento que chega com a idade, de que tanto falam, desconhecido por mim até poucos dias e do qual nem desconfiava cor, tamanho ou forma, vai chegando, aos poucos, e luminoso. Não se trata de encontrar certezas, endurecimentos, falta de vontade de prosseguir. Não mesmo! O que fica me parecendo  é que uma força interior, antes desconhecida, começa a se anunciar, pondo um sorriso nos lábios e no coração, como que uma lanterna que alumia os mais recôndidos espaços, trazendo força, clareza e vontade, singulares e elucidativos, abrindo frestas, clareando sentimentos, apalpando intimidades e dando sentido e gozo a cada uma delas.
Sou filha de quem sou, nasci onde nasci, tenho por irmãos aqueles que saíram de verdade da barriga da minha mãe, a ela chegados por obra e vontade exclusiva de meu pai, vivi o que vivi, da forma como vivi, com a profundidade, as possibilidades e impossibilidades que se puseram em meu caminho. Em acréscimo, um entendimento: os desvios e escolhas por mim traçados foram fruto de minha força e de minha fraqueza, de minha lucidez e de minhas questões, de minha coragem e de minha intuição.

PAPAI E MAMÃE EM ATAFONA

 Como custou!, mas hoje finalmente, valorizo o meu próprio caminhar. Os desconfortos em relação a lugares queridos como meus mas de outrem, as frustrações diante da realidade e das relações nas quais não era nem nunca fui protagonista, vão tomando seus devidos postos – mais ao lado aqui, menos desconhecida ali, invisibilizada adiante, mas sempre com minha próprias sombras e luzes a ir conduzindo a incessante procura pelo lugar de conforto e aconchego. A glória de vê-lo chegando é pura luminosidade e eu começo a me ajeitar me afundando, vagarosamente, no macio de seu estofado, todo meu, de meu tamanho certinho. Um colo. Inquestionavelmente meu , por mim mesma construído e inteiramente acolhedor.

ELE, O TRÊS, E SUA MÍSTICA

(Escrito em 18/11/2013)

Resultado de imagem para trêsComeça com a própria Santa Madre Igreja – são três em um – Pai, Filho e Espírito Santo. Ainda no terreno da vida cristã, em que dia Cristo ressuscitou? No terceiro. E se continuarmos nos indagando sobre a misteriosa força do número três, basta nos lembrar de que Pedro, o primeiro papa, negou a Cristo três vezes, antes do galo cantar anunciando uma nova manhã. Mais um exemplo? No nascimento do Cristo, foram três reis magos que vieram saudá-lo.

Exemplos não faltam. No teatro também são três sinais e é com esse último que é dada a partida para o espetáculo. A mãe quando dá um ultimatum para o filho que a desobedece também se vale do três, como limite para a sua tolerância – “Menino, venha cá! Um, dois e... (muitas nem chegam ao número fatal e só pelo tom ameaçador de sua voz, já fazem a possível vítima recuar e a atender, desistindo de seu intento. E não há dúvidas: quem amedronta mesmo é ele – o três – que, mesmo antes de ser dito e proclamado dá a senha de que “o tempo pode fechar”.

Os mosqueteiros, por sua vez, também reforçam a mística, pois que eram três – sempre alerta e indomáveis a cruzar os campos nos arredores dos palácios medievais... E não para por aí... O chapéu, cantado e decantado nas escolas pelos pequenos, quantas pontas tem? Três, claro!. Ou não é assim: “O meu chapéu tem três pontas, tem três pontas o meu chapéu...”?

As irmãs da família da Gata Borralheira nada mais eram do que três moçoilas, a eleita – jovem, bonita, pronta para ser escolhida pelo príncipe encantadíssimo – , e as duas irmãs, mais coadjuvantes impossível, presentes na história, a esta altura fico a supor, só para reafirmar que haveriam de ser três as envolvidas no fato que cruza os séculos a nos atormentar, a nós, mulheres, todo o tempo ansiando por ter pés, mãos, pescoço, nádegas, o corpo todo, mais a alma, os gestos, a fala, o pensamento, adequados para a escolha do grande amor que há de nos tirar da condição de irmã má e feiosa.

Na Política, não podemos nos esquecer dos defensores da Terceira Via. Nem dos esotéricos que falam do Caminho do Meio, ele mesmo, o terceiro, como aquele que pode se sobrepor ao de cá e de lá e significar o equilíbrio por tantos buscado, a duras penas. Sem falar do materialismo dialético, também tido como um terceiro método, o que pode ser capaz de superar o objetivismo puro e simples e o subjetivismo, centrado apenas na força do cada um...

Nas historinhas do gênio da lâmpada, quantos desejos se pode pedir para que ele os faça cumprir, com o seu poder vindo da lâmpada mágica? Nem preciso repetir. Todos sabemos e ele aí está novamente a dar provas de seu poder, ilimitado – o três.

Três, para tudo,portanto, parecia ser um número potente. Por que não para mim?

Fui nessa e qual não foi o resultado? Provo aqui, com testemunha e tudo se quiserem, que, para mim, num ponto essencial de minha vida, o três foi um ingrato de um número para mim. Hoje até me faz rir a sua impropriedade em minha vida. Mas o danado bem que me fez sofrer por uns tempos, mais do que três Marias Madalenas juntas.

O fato: casei uma, duas, três vezes. Sinos retumbantes! Terceiro casamento! Finalmente o final feliz de toda uma existência. Três vivas à boa nova!

Caros amigos e caras amigas, não se iludam! Podem tirar o cavalinho da chuva. Um não, três. Cavalinhos de raça, se quiserem, daqueles que eu ia ver no Jóquei Clube de Campos, aos sábados à tarde, com papai e com Maninho. E até apostava! Nada disso! Avessa a casamento, sempre querendo o príncipe, e não sendo príncipe nada feito, coloquei toda a minha fé no número três. Agora, era pra valer. Os irmãos Grimm fizeram, lá do céu, esta historinha especialmente para mim. Só que a historinha não veio com manual de orientação para a leitura (finalmente entendo a sua importância!), onde eu pudesse aprender as recomendações de paciência, compreensão e boa vontade. Resultado: na primeira tempestade, abandono o marido. Tudo bem, amor a toda, de parte à parte, ele, apaixonado, veio me buscar, e eu voltei, quase em êxtase.

Havia, nas minhas contas, uma reserva técnica a me proteger de futuras intempéries. Não eram três as oportunidades? Ainda restavam, então, duas tentativas, duas chances. Nova chuva, nem tão forte, mas eu, ciente dos meus poderes de princesa, novamente arrumo malas e parto. E lá vem ele, o príncipe do beijo encantado (bota encantado nisso!), resgatar a Rapunzel da torre, levando-a de volta ao castelo onde viviam. Nova onde de felicidade! Só desse tempo há histórias e mais histórias do amor mais inteiro e cúmplice. Vidinha simples, cada um se bastava a si e ao outro. Apartamentinho, antes insípido, agora todo remodelado, só pelas cores de uma nova almofada aqui, algumas plantinhas ali e mais adiante, uma mudança de móveis aqui e acolá, quadros, antes inexistentes, agora delicadamente postados numa e noutra parede, em suma, tudo de antes com cara, sabor e jeito novos, um verdadeiro lar. Quem quisesse poderia percorrer todo o Vale do Loire que não encontraria nenhum castelo da região com o encanto daquele cantinho ventoso próximo à Beira- Rio.  

Mas, a vida segue e faltava uma última vez para se atingir o três. Ainda dava para brincar de “se sou a mulher da vida dele”, ele virá me buscar. Mau humor, briga de verão, feito chuva, forte e acompanhada de raios e trovões, que faço eu? Rumo para a antiga casa, novamente. Desta feita, sem deixar pedra sobre pedra.

Três partidas. Pronto, acabou. Era esperar e estaria o casal de novo às voltas com o seu amor imbatível. Depois de três vezes, cada qual haveria de se precaver um pouco mais para não ir além da medida nas horas das dificuldades. Seria só aguardar que ele viria.
Pois, quem está aí desse outro lado, lendo a minha narrativa vivida na carne e nos ossos, pode começar a rir e a caçoar da minha pretensiosa sensação de ser insubstituível. Sabem do final da história? Ao contrário das vezes anteriores, da terceira vez o príncipe tomou ares de rei –  impávido –, se esqueceu de promover o final feliz e não veio novamente beijar a bela adormecida. Como no samba, o danado pegou foi uma camisa listrada e saiu por aí...
Em resumo: ao contrário de sua mística positividade, o número três, comigo, parece não funcionar. Fui nas águas de Teresinha de Jesus, para quem o terceiro foi aquele a quem Teresa deu a mão, e comigo não funcionou. Pode? Como dizia meu inesquecível Zé Américo, lembrando Bachelard, quando a coisa se mostrar muito absoluta assim, como se um único caminho fosse possível – como era o caso da imagem acerca do poder definitivo do três – há que se acrescentar um “depende”. Nada é tão de um jeito só que não possa ser de outro. Estou aqui para comprovar a tese. O três pode se esgotar antes de ser visivelmente entoado. Às vezes o dois cresce na briga e vira um três do tamanho de um bonde, intransponível.

Ou, deixando a boa ciência de lado e retomando as leis do bom humor e da graça, que sempre me regem, cabe indagar, já que sobre ele tenho falado nos últimos tempos com insistência: terá sido Murphy, que mais uma vez atuou em minha caminhada, me emprestando a escada para eu subir no mais alto coqueiro e ficar à espreita, traiçoeiro, espiando a queda da presunçosa dama que se julgava “a mulher da vida” do ser alheio? Huuuuum, quem sabe? Afinal Murphy é homem e como bom macho deve ter sido solidário com o companheiro de gênero.



SERÁ QUE CONTA?

(Escrito em 18/11/2013)

Finalmente, descubro o motivo de detestar exercícios físicos de toda e qualquer natureza. No máximo, cuido de dar umas balançadinhas dentro da piscina para me tranquilizar, de uma certa forma, de que estou exercitando os músculos, como tanto se recomenda fazer. E ponto final. Corpo foi feito para outros movimentos, não esses! É que, eu acordo tão cansada depois dos sonhos que tenho, que já não consigo dar mais um passo.

Esta noite foi bem assim. Andei durante horas por um castelo medieval, cujos labirintos eram tão estranhos e intermináveis que não sei como dei conta. Fosse na vida mesma, teria pedido pinico. Era como a cidade sagrada, com jardins imensos e com prédios e mais prédios, separados por centenas de metros, que eu percorri a pé, sem entender como e porquê. Uma igreja enorme também fazia parte do percurso, havia freiras (terá algo a ver com o Auxiliadora e o próximo encontro do cinquentenário de formatura?), e as construções possuíam escadas altíssimas e corredores sem fim, tudo isso percorrido durante as minhas horas de sono. Uma brabeza.

Eu bem que já propus à minha analista parar de clinicar e ganhar dinheiro com a interpretação dos meus sonhos. Eles são diários e me fazem pensar mais do que o necessário. Muitos deles são digitados para eu não esquecer e sempre têm significados, criados por minha própria conta e risco, que me auxiliam demais no desenho dos próximos passos que dou até dormir novamente. E no sonhar, por suposto.

Mas, hoje, o significado parece ser bem mais simples e menos ligado às coisas da alma. É do terreno das coisas do corpo mesmo: meus esforços noturnos são tão intensos que de dia, à luz do sol mesmo, de olhos abertos, não há porquê fazer mais nada em prol de pernas, braços ou o que o valha. Minha produtividade se estende às noites também. Talvez eu não me dê o direito de descansar nem enquanto o corpo faz de conta que descansa enviesado na cama.

Tomara Deus que meus músculos ganhem com tamanho sacrifício!


UMA RELAÇÃO SEM NOME, UMA DOR SEM TAMANHO

 (escrito em 22/11/2013)

Sol? Nem lá fora nem nas entranhas. Dia de saudade.  Coração indócil. Uma certa amargura afligindo o peito. Recorro às palavras. Começo a dedilhar e me deixo tomar pela emoção que cruza fronteiras e escorre pelas mãos. Sempre é a mesma maneira de lidar com a dor. É escrevendo que aciono as válvulas internas dos sentimentos e vou conseguindo purgar as dores que me fazem chorar, como aqui, agora.



Há amigos, muitos, que estranham eu ser tão alegre e fazer tanta graça com as coisas, as mais singelas, do cotidiano. Uma das amigas, de uma certa forma, até me repreendeu, ao me ver tão crítica em relação a mim mesma, mais especificamente quanto falo de minhas práticas “marfianas”, como se eu estivesse me desmerecendo demais,  anunciando-me como uma idiota que não distingue uma garrafa pet de uma outra de desinfetante[i], esse tipo de coisa... Com suavidade, retruquei: “Qual seria a graça de falar daquilo que sei? O que faz rir são as derrotas...”

Pois eu vivo de gostar de extrair o melhor humor dos fatos do dia-a-dia, sem que eu mesma perceba ou me determine a tal fim. A vida vai sendo vivida e a minha natureza dela vai extraindo o seu aspecto lúdico, como que a entender o humor como uma arma que me protege contra a crueza do conjunto da obra que é viver.

Feliz ninguém é. No máximo, nesta sociedade perversamente estruturada, cada um tem lapsos de alegrias ou momentos de distanciamento ou alienação, até mesmo para sobreviver em meio ao caos. Como uma capa protetora para se fazer viver no momento seguinte, a pessoa se deixa levar por uma alegria aqui, outra ali, mas viver mesmo, num mínimo nível de profundidade, não deixa ninguém ser feliz em paz.

Por isso, sou alegre. Melhor dizendo: porque sou triste, sou alegre. Porque me deixo abater pelo que vai me acometendo pela vida afora, faço-me bem humorada para não sucumbir. Porque choro, eu rio. Porque sinto saudades, eu escrevo.

Nada nunca foi programado. Nunca me dispus a fazer graça para me proteger.  Não sou e nem consigo ser racional e programar-me previamente para o que virá. Veio vindo a mim o refúgio das palavras e nelas eu cada vez me apoiei, delas cada vez me servi e me sirvo, acalmando meu coração tomado por perdas e pelo meu viver pouco convencional e sempre sonhador, repleto de dúvidas e incertezas...

Tudo isso para dizer que hoje estou mooooooooorta de saudades de meu enteado. Viver sem ele por perto é doloroso e extraiu de mim uma parte que se desenvolvia com harmonia e onde reencontrei a maternidade.  E maternidade com tempo de ser mãe, já numa altura da vida em que a riqueza de um amor filial podia ser vivida mais a fundo e sem hora marcada para ser mãe.

Com qualquer pessoa, mesmo que as relações se rompam, o que está em torno pode ser preservado. Mas, quando envolve o fim de um casamento onde o adolescente que fica tem pai e mãe, é perda quase que total. Se não se é mais a mãedastra, o que você é em relação ao filho querido da véspera? Quem sou hoje para o meu ex-enteado?  Aliás, existe ex-enteado? Inda mais quando se mora longe.

Por amor às palavras, sempre gosto de começar a falar das coisas, nomeando-as, analisando seus nomes, dialogando com seus significados. Pois a minha relação com meu querido filhote não tem nome que a defina. Só tem mesmo o meu amor e a minha saudade, que hoje me põe a nocaute.  É chorar, chorar e chorar... Não imagino o motivo, mas há dias em que fico assim, inconsolável. Hoje é um desses dias terríveis.

Ah, Vitor!, como sinto sua falta! Como lamento não ter você por perto. Te amo demais. E sinto muita falta de você, do seu cheiro, da sua voz, da sua conversa, do seu silêncio, da nossa cumplicidade.

Um beijo bem grande, meu amor.






[i]  A crônica SEGUNDA HISTORIETA DA PRIMA DE MÂRFI, também publicada aqui,  fala disso.
Para Uzinha

Nós duas em Buenos Aires. Viagem inesquecível. Mais do que um presente para ela, uma dádiva para mim.




(escrito em 27/11/2014)

Campos, em uma semana, a segunda vinda. O fim das coisas.  O fim das histórias.  O fim das pessoas. Este, sim, o que traz a marca do fim derradeiro e corrosivo. As coisas que findam abrem frestas para o que virá.  As histórias,  por sua vez, quando esgotadas e sugadas até o último caldo, já grosso de tantos resíduos esparramados no fundo da alma, libertam aquele que as sonhou diversas do real. Ah, mas o fim das pessoas amadas, ah, esse, sim, sempre escurece o olhar, recolhe a alegria e deixa dolorido o corpo que pressente tempos de saudade.

Minha irmã, aquiete-se! Desfranza a testa. Durma em paz. Sonhe com todas as boas obras que você espalhou em sua  vida. E, sem alarde, até mesmo por sua conhecida timidez. A sua imagem e a sua história são muito maiores do que o seu corpo miúdo que dormitava, cansado, hoje,  naquela cama de hospital. 

Até amanhã!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

QUAL JEITO, SE NÃO RIR? E ESCREVER?
(ESCRITO EM 27/11/2014)

Depois vocês não querem que eu ria e que saia por aí contando as minhas derrotas e tudo o que não sei ou não sou capaz de fazer. É dia e noite, não tem hora, a verdade é que não paro de constatar o que vai sucedendo à minha volta e que faz brotar os sentimentos mais palpitantes e contraditórios diante da vida. Parece mentira, mas não é. Olhe para onde olhar, fale com quem falar, há sempre algo a me inspirar a pensar e a escrever, óbvio; e, como sabem bem, não raras vezes, a rir. 

Ontem de manhã, indo para a terapia de carona com meu filho, chovendo direto, o motorista do carro do lado avisa que o nosso pneu estava baixo. Faço o quê? Chorar? Nananinanão! Pego o guarda-chuva grandão que já mora no carro, fico protegendo o filho na sua dura tarefa de providenciar a troca, bem no horário de intenso tráfego, recebo sei lá quantos banhos de água suja vinda dos carros que passavam apressados pelas incontáveis poças d’água, inclusive um da PM (esse me aporrinhou um pontinho acima), mas, romântica incorrigível, alegro-me em seguida com a solidariedade de um jovem senhor que, a pé e sem nenhuma proteção, foi o único a perguntar “... e, aí, amigo, alguma ajuda?”. Logo, logo, sigo, até que me menos tempo do que supunha, para o meu compromisso comigo mesma de tratar das angústias que insistem em seguir a par e passo com a minha capacidade de me indignar, de me alegrar, de simplesmente ir vivendo, com certa atenção, algumas boas surpresas e muitos riscos.

Mas isso foi só o começo da manhã. Faltava o resto do dia todo. Pelo Face, vejo que Rosinha Baldan, amiga de toda hora, me convida para tricotar. Daí, conforme prometi, ligo para ela. Ela já me atende em plena atividade, falando com alguém ao lado e me pede um tempinho. Estava a dar instruções a um técnico para trocar a maçanetas da casa. E já vai me explicando, cheia de “sabença”, termo tão costumeiramente usado por meu inesquecível Geraldão: “É que as maçanetas daqui são redondas. Mamãe ficou presa uma vez no banheiro, eu tenho que me prevenir, as mãos escorregam, a pessoa não consegue abrir... Vai que acontece comigo...”

Maçanetas redondas? Risco???

Tenho ou não tenho que pocar de rir? Meu Deus, como são as maçanetas das portas daqui de casa? Nunca reparei ao certo. Estarei correndo risco? Fico eu ouvindo música, reparando no jeito das pessoas, nas intenções dos olhares, na notícia tendenciosa, revirando coisas vividas, e tudo que está ao meu lado, diante de meus olhos, pode estar pondo em risco minha vida e eu nem estou aí para nada? Santa ignorância! Mais uma coisa que eu não sei!!!!

Com o telefone sem fio colado ao ouvido, saio caminhando pela casa analisando as maçanetas, uma após outra. Todas iguais, pelo menos aqui em cima. São de metal, não são redondas, são ovais, pergunto a Rosinha se corro risco: “Serão potencialmente assassinas como as de João Neiva?”

Rosinha me orienta e, pelo menos “a nível de” maçanetas, estou a salvo. UFA!

Dia que segue... faltava ainda uma boa parte das 24 horas a ser vivida. Mais algum aprendizado viria por aí?

Claro! Enquanto há vida há esperança. E novos aprendizados, com certeza.

Lá pelo meio da tarde foi a vez do telefonema de Dorinha, amiga especialíssima, com quem divido ótimos papos e conjecturas – algumas políticas e outras nem tanto. De onde Dorinha me liga? Das barcas, descendo na Praça XV, a caminho do Flamengo, onde iria buscar Babu, a neta com cheiro de amor, para levá-la à natação, aguardar e depois levar à aula de piano. E sem carro, hoje, mais uma vez na oficina. 

- “Para, Dorinha! Só de você me anunciar seu percurso eu já estou com dor na batata da perna!” (E falo sabendo que não é impossível que à noite ela tenha um lançamento de livro ou alguma homenagem a um antigo amigo para ir lá pelas bandas do Leblon...)

Pois, essa é minha vida, essa é minha sina – amigas dispostas, repletas de tarefas do mundo prático para dar conta; amigas bordadeiras, de todas as prendas; amigas que caminham, depois ainda vão ao pilates; amigas que prestam atenção em tudo, enquanto eu fico dando voltas em busca do que está subjacente; amigas que tomam dez taças de vinho e não se embebedam, enquanto eu preciso me hidratar desmedidamente para atenuar o efeito da deliciosa bebida, caso contrário, já na terceira taça estou precisando não só retocar o batom como lavar o rosto com água fria. Se estiver casada, então, aí é que o sono vem célere. Nota de rodapé em pleno miolo do texto: Casamento sempre me deu um sono danado...

Desisto ou sigo adiante, conformando-me em saber apenas aquele rol de meia dúzia de coisinhas rasas que sei e continuar sendo açoitada pelos saberes – inúmeros, inesperados e de tipos tão variados com que me cercam as mulheres de minha vida? Hein?
DÁ LICENÇA, MARTHA MEDEIROS!

(escrito em 27/11/2015, a partir de um rascunho feito no ônibus na véspera)

Acostumada que fui a escutar de colegas o brado “hei de vencer, mesmo sendo professor”, fico a estranhar a minha nova condição, assumida na maturidade, de ser escritora, e escritora convicta, dedicada ao ofício, e por um tipo de prazer levado ao ápice de hábito viciante.  É droga, legal e legitimamente lícita, que me domina por completo. A cada manhã, ao abrir os olhos, a vontade de escrever chega antes mesmo de querer escovar a língua e os dentes ou tomar um café preto.  E como escritora, maravilha!, não há nada de ter que esperar por um sucesso mais adiante ou chegado por efeito de alguma condição, como era o caso de minha antiga profissão.
Escrevendo, o meu sucesso é de tamanha grandeza, o reconhecimento vai vindo tão célere e visível que já ameaço outros colegas de profissão há bem mais tempo no mercado.  E mercado, sabemos bem, é o que há de mais estruturante e decisivo, e cada vez mais, em nosso mundo contemporâneo. Há quem até o chame de Deus Mercado, registrando-o com maiúscula para tentar, simbolicamente, pelo menos no âmbito da Gramática, acentuar a sua magnitude.
Para falar tudo de vez, sem fazer mistério, aviso a todos que até já enviei uma afetuosa mensagem para Martha Medeiros, aconselhando-a a dar uma aperfeiçoada em sua escrita, pois eu estou chegando ao mundo da Literatura, mais especialmente, ao das crônicas do cotidiano, com um vigor tão incomum, tão perceptível, difícil mesmo de se ver, ainda mais num momento em que todos só fazem falar da seríssima crise que se abate sobre os mais variados campos da economia nacional.
Não sou mais criança e não em acanho. Jogo minha modéstia de lado e confesso o que eu mesma fiquei estarrecida ao constatar. Todos aqui são testemunhas de que não tem nem 15 dias que eu comecei a chamar os meus adoráveis leitores para o blog www.carmencarmeadora/blogspot.com.
Queiram crer, meus senhores, nesse ínfimo tempo, nem um mês passado, sabe em quanto se ampliou o número de meus seguidores? 
Dou um tempo para cada um pensar, calcular, fazer as devidas análises e comparações...
E, aí, já ousaram imaginar e palpitar?
Não me faço de rogada e anuncio, sem mais delongas. Nada menos do que 20% de aumento na minha fiel relação de seguidores. Leram direitinho? 20%!!! Não é para qualquer um. Acho mesmo que vou largar tudo por aqui e passar o Natal em Lisboa e adjacências (entendendo que em termos europeus, adjacências cruza fronteiras e mais fronteiras...).  orque, pelo que sabemos todos, só os grandes nomes da Literatura conseguem viver de seu ofício. Começo a achar que é o meu caso.
Dos antigos 5 seguidores, hoje são nada mais nada menos do que 6 cujas fotos aparecem bem na abertura do blog, toda vez que apareço por lá para postar alguma novidade.
Não é o máximo?
Obrigada, companheiros!

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

CADA UM TEM SEU DIA DE ALUNO DA ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO...
(Escrito em 26 de novembro de 2013)

Não sei qual era o personagem, nem qual o ator que o fazia (*). Mas me lembro da existência de um dos alunos da famosa escolinha que, de repente, ouvia de um outro colega alguma informação, mais do que sabida por todos, e fazia de sua ignorância em relação ao assunto motivo de graça, ao se surpreender, por desconhecer o assunto: 

- “Napoleão Bonaparte, antes de morrer, viveu na Ilha de Elba” – dizia o colega. E o tal aluno respondia, espantadíssimo, mal deixando o outro terminar de falar: - “Napoleão morreu????????????” 
Seu ar de surpresa era tão intenso que a turma vinha abaixo em gargalhadas, a cada semana repetindo-se situação semelhante, como sói acontecer neste tipo de humor que era e ainda é feito em nossas TVs. 

Foi do que eu me lembrei na semana passada, quando vivi situação tão ou mais grave quanto essa da possibilidade da morte de Napoleão ainda espantar alguém. Ao visitar uma amiga, conhecida minha desde os tempos de escola, lá pelas tantas, ainda à mesa, após um delicioso almoço de típicos pratos árabes, nem sei ao menos em função de qual motivação, ah, sei, sim, falávamos do Budismo, a minha amiga se sai com esta: 

- “Dizem os budistas que naqueles tempos em que Jesus sumiu, dos 12 aos 30 anos, ele esteve na Índia, pois que ele era um Buda...” 
Aí, foi a minha vez de me assustar, tal qual o moço da TV:
-  “...E Jesus sumiu por todo este tempo???????”. 
Minha amiga, apavorada, retruca:
- “É o que isso, Carmen Lucia, vc foi aluna do Auxiliadora e não sabe que Jesus ficou sumido não sei quantos anos?” 
“NÃO, nunca soube disso!” – praticamente gritei, com os olhos arregalados.

Era a primeira vez que ouvia falar em tal fato. Jesus sumido? Por tanto tempo? E eu nunca soube disso? Meu Deus! O que fazia nas aulas de Religião lá no colégio? Escrevia meus diários? 

Claro que a discussão mudou de rumo, saiu do Budismo e veio toda em direção à minha desmemória. Nunca ninguém se acostuma. Pairam dúvidas sempre, tamanhos os absurdos de que já me esqueci em minha vida. 

Pois, desta vez, até eu me assustei. Cheguei em casa e fui logo à cata das informações sobre a vida de Jesus. E o que foi pior: tudo que li a respeito do tal sumiço era totalmente novo para mim. Eu nunca soube disso ou simplesmente me esqueci? Inacreditável!

Para me defender, fico aqui pensando que as freiras de meu tempo deveriam estar mais preocupadas com outras coisas do que com a vida de Jesus, ainda mais com um tempo em que ele esteve talvez andarilhando pela Índia, como dizem uns e outros...

Sou mesmo uma tonta!

(*) Já depois de parido o texto, soube por Paulo Ney que o personagem se chamava Rolando Lero e o ator era o inesquecível Rogério Cardoso.
Gritos de pavor

(escrito em 26/11/2016, no dia seguinte à sessão do Senado que concordou com o STF na prisão de Delcídio do Amaral)

No dia que o papa Francisco chegou ao Rio, eu estava sozinha em meu quarto, toda arrumada, de banho tomado, tal qual uma moradora da roça que vai à festa do padroeiro no domingo (só faltavam as sobras de talco - que não uso - subindo, em camadas, pelo pescoço), toda linda em frente à TV para assistir todos os seus movimentos desde que desceu do avião. Naquele dia, eu me lembro bem, eu gritei de medo, quando o seu carro ficou encurralado no meio de ônibus e transeuntes, ali pelo meio da Presidente Vargas. Muito medo dele passar por algum perigo, diante da incompetência dos organizadores que o deixaram entregue a si próprio e à sua própria segurança. E a Deus, por suposto! 

Ontem eu também gritei. Não houve toda a preparação como no dia de Francisco, mas também estava sozinha no quarto e, como naquele dia, eu também gritei, pedi por socorro, num estado lastimável de se ver. Nem sei bem quais palavras eu usei, mas foi em alto e bom som. Puro gesto de quem está perdido, aturdido, posto em nocaute. É que eu não conseguia acreditar no que via, ao vivo e em cores: o atual Partido dos Trabalhadores, propor voto secreto para a votação que estava por ser feita em torno do senador pego em flagrante.

Hoje estou ressaquiada. E sem beber nada! Só mesmo o gole da vida em estado de desmoronamento que me entrou pela goela e por todos os poros de minha pele, deixando-me assim, sem palavras. Sou toda restos de gritos. A voz anunciadora sumiu por um tempinho.



quarta-feira, 25 de novembro de 2015


RETIRO ESPIRITUAL – TEMPO DE PECAR

                                Texto escrito em nosso blog de campistas, Dijaojinha, há muitos anos e trata do
                                 tempos do Auxiliadora. Foi postado no Facebook, por ocasião das comemorações dos 50 anos de formada, em novembro/dezembro de 2013.

Essas histórias (*) me fazem lembrar dos retiros espirituais do Auxiliadora, nós já adolescentes, com cerca de 17, 18 anos.... Para quem não conheceu, era um período de três dias em que ficávamos em tempo integral na escola, apenas rezando e recebendo aulas de Religião. Vinham padres de fora para fazer palestras e nos aconselhar, evitando desvios que pudessem nos levar ao mau caminho. Eu chegava a pernoitar na escola. Sim, porque se ficasse em casa, à noite namoraria e voltaria a pecar. A saída era ficar direto lá, assepticamente protegida da vida cá de fora.. Assim, não tinha risco.
Uma de nossas amigas, sentindo-se incapaz e envergonhada de contar ao padre todos os pecados que cometia ao namorar, usava um recurso que julgava sua grande invenção: contava uma por uma de suas faltas mais leves e, ao final, para poder receber o esperado perdão, dizia, “Padre, eu sou mentirosa". Pronto!, dali, era só receber a penitência, ajoelhar-se e rezar. E pecar, obviamente, mais adiante, depois de garantida a comunhão no dia seguinte.
Outra amiga, esta mais ingênua (ou mais apaixonada, creio ser este o caso), caiu na besteira de combinar com o namorado de ir buscá-la na saída da escola, num dia de Retiro. Foi punida com a sumária expulsão da escola, transferindo-se para uma escola interna no Rio de Janeiro.
A coisa não era fácil! Aprender a ser mulher em Campos, ainda mais sendo aluna do Auxiliadora, não era para qualquer uma... E eu não conto o pior, que foi aquele ano em que o padre visitante, Padre Zé Teixeira, era, em si, um indutor ao pecado, ele que era um mulato de voz grave, de discurso forte, profundamente sedutor. Passado o Retiro, muitas de nós levamos muito tempo para deixar de suspirar por ele...

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(*) Histórias que estavam sendo lembradas pelas colegas normalistas por ocasião da preparação da festa do 50 anos da formatura do Curso Normal.

RESPOSTA AO HOMEM MARGEADO

(Escrito no início do mês de novembro de 2015)
 Em meio às muitas palavras que me escreveu hoje cedo, eis que o velho amigo, agradecendo por meu apoio nas infindáveis conversas que temos tido tentando construir uma saída para a séria crise que vem enfrentando em seu relacionamento, me sai com esta, na certa, pretendendo ficar a salvo de tomar, ele próprio, alguma atitude para debelar os conflitos da relação:
“as coisas têm de correr seu ritmo natural, o rio tem que correr em sua ‘calha’.”
Hi! Não bateu bem! Qual leite talhado, a frase, dita simplesmente assim, não passou no teste do primeiro gole. Rejeição na hora! Com a idade, nada mais fica impune, quando qualquer engrenagem de qualquer sistema do meu organismo dá uma rangida, como porta velha que está precisando de óleo nas suas juntas metálicas. Rangeu? Provocou ânsia? Não degluti? É tempo de ver o que fazer com o mal estar. Engolir ? Não, não descem esses resíduos contaminados pelo medo e pela mesmice, nem a seco!
Ignorar o gosto amargo e proteger quem quer que seja, em princípio, não é mais o caso.  Não que eu queira, racionalmente decida e planeje intervenções a cada enunciado de que discorde e subjacente ao qual eu perceba passividade e falta de vontade de enfrentar o touro à unha. Vida não é soma de acontecimentos que vêm e vão sem que cada qual tenha um certo poder de tecê-la em uma ou outras direções.  Meu ombro bem sabe ser receptivo, mas minha paciência é frágil. É como que uma premissa: para se bordar o diálogo construtor de alternativas, a passividade e a vitimização precisam ser deixadas de lado, mesmo que com um certo temor de dar o primeiro passo.
Assim, passado o primeiro momento, aquele da frontal recusa ao azedume, pego a folha de papel digital e lhe respondo, amorosa e simbolicamente com sua face protegida, acarinhada dentro de minhas mãos em concha, mas firme:
“É verdade, caro amigo... se bem que há rios que, mesmo estando, obedientemente, se espremendo em suas próprias calhas, contendo-se para chegar para chegar a seus destinos, fieis a padrões pré-estabelecidos e tidos ingenuamente como seguros, andam recebendo águas represadas, vindas de origens diversas, perigosas, justamente por estarem artificialmente contidas. Se mal cuidadas – e pelo próprio Homem e não pelas forças da Natureza, é bom que se diga – explodem em lamas destrutivas. Veja o caso do Rio Doce.Juro que não conheço os meandros dessas águas e nem avalio até onde chegarão os restos mortais que sobraram da desgraça gerada no coração (do Brasil, esclareço). Só sei que é tempo de tratá-las para que não prejudiquem em demasia a saúde de quem quer que seja. Para adolescentes retardatários (pode vestir a carapuça), então, elas são um perigo! Não sou eu quem diz, é a Ciência mais avançada de hoje em dia.
Com o compromisso de sempre em relação a vocês dois, desejo paz e TRABALHO ( Pois, também em termos de relações humanas, nada vem de graça, o esforço consciente é essencial).
 
Amorosamente, Carmen





Cada qual com sua Arte
(escrito em 25/11/2015)

É que hoje, arrumando a minha mesa de trabalho, eu encontrei uma antiga programação do Cine Arte UFF, de quando eu fui ver Cássia Eller. Filme de que, aliás, gostei muito. Do filme e da própria Cássia, maravilhosa, sobre quem fiquei ali sabendo boas histórias e seu notável percurso artístico. Mas o folheto da programação não estava apenas ele, como veio a mundo, impresso, feito para divulgar o que viria a seguir no nosso cinema tão especial. Meio de lado, a lápis, algumas frases minhas, certamente para depois sobre elas pensar (ou escrever, como faço agora).
Copio-as: “Qual é seu palco? Cássia Eller, tímida e totalmente entregue ao palco. Eu, a sala de aula.”
De fevereiro passado, data do material, até hoje, nenhuma dúvida acrescentei às minhas considerações de então. Meu palco é mesmo a sala de aula. Nele me realizo como uma diva carregada de poder e de viva existência, prontinha para lançar o meu canto para trocar com os outros o essencial da vida.
Escrever hoje em dia – este acréscimo faço neste instante – é a minha sala de aula, um jogo de educação a distância, é a minha melhor expressão que transita de cá pra lá, visitando o grande palco, que é o mundo lá de fora.   


DIREÇÕES NECESSÁRIAS
(escrito em 25/11/2015)


Houve um tempo aqui em Niterói que por força de uma obra da prefeitura, o ponto final dos ônibus mudou, ali pelas bandas da Aurelino Leal, perto dos Correios.  O fato é que, quando eu ia até o centro da cidade, pela nova orientação do trânsito, eu teria que retornar uma parte do caminho, a pé, para pegar o ônibus e voltar pra casa. Isso tem muito tempo, eu me lembro de estar, pelo menos numa das vezes, com os filhos pequenos junto a mim.  Mas o fato, o principal, vem agora: é que, pela ojeriza de andar para trás (mania de família, pelo menos, Rubinho eu sei que partilhava essa doidice comigo), eu preferia dar uma volta maior, caminhar um pouco – ou bem – mais e ir até o local do ônibus.  Tudo, menos voltar.  Mais tarde eu vim a ouvir o admirável filósofo Clóvis de Barros Filho, dizer numa entrevista, que seu pai o orientava  dizendo que “pra trás, nem pra dar impulso”, com o que eu me identifiquei imediatamente.
Mas, a vida não cansa de ensinar. É só a gente se dispor a ouvir seus cantos, como quem coloca o ouvido numa concha daquelas bem rebuscadas em seus labirintos próprios, que aprendemos canções diferentes – assobios, zumbidos, sons celestiais, vozes maviosas, de tudo um pouco. E comigo é isso mesmo , eu vivo aprendendo – de tanto sonhar, conversar , ler e pensar – e, com essas idas e vindas, acabo por refazer ideias, entendimentos a maneiras de agir. A conclusão chegou de repente  um dia destes: por mais que a minha tendência seja essa – a de, com o corpo, sempre pretender seguir à frente – a minha evolução como pessoa só se faz pelos insistentes retornos, pelas ponderações que refazem conjecturas, pelas costuras e alinhavos que seguem direções as mais variadas e surpreendentes. Seguir adiante é sabotar todos os sentidos em nome da segurança de ir por um caminho já sabido, seja ele qual for, satisfatório ou aprisionador.
Tem jeito, não: posso não voltar na rua e nas calçadas de paralelepípedos, pedras ou barro, mas para as andanças internas sempre preciso me dispor a seguir as direções necessárias.  É como, em aula de bordado, aquele ponto do qual não me lembro o nome, em que se avança uma casa e se retorna  um tanto para poder ir para a próxima laçada. E que fica lindo, pro sinal. É como alguém já disse e com quem concordo: para se seguir adiante, há que se dar um passo e aguentar a instabilidade de ter um dos pés suspensos em direção ao que virá.  Mais ou menos isso. Eu concordo.

terça-feira, 24 de novembro de 2015



APÓS O FIM DO AMOR


 (provavelmente escrito entre 2013 e 1014)


Hoje pude ter o meu primeiro sorriso de pura alegria, passado o luto, longo, doloroso, quase insuportável, é verdade, mas vivido com inteireza. Luto que, como tal, me permitiu VER o que passou – agora, sim, sabendo reconhecer que o que é verdadeiro simplesmente É. O que virou pó teria que ter mesmo esse destino. Mas o efêmero não impede de ter havido – e permanecerem vivas – as gemas mais preciosas, perenes e de inestimável valor – moral e afetivo.
       Nada como viver de maneira integral o que vivemos, sem fugir do sofrimento. É o olho no olho – para dentro de nós mesmos, para o outro, para as coisas do mundo – o único método possível de se compreender e de superar o que se viveu e se voltar à tona para continuar a ter inteireza no que a vida coloca diante de nós. Se não, postas vendas nos olhos do ver e do sentir, fica tudo até mais fácil, aparentemente, com sentimentos silenciados pelo falso esquecimento, diante do medo de enfrentar a dor, sem que a paz interior seja reencontrada. Falsos brilhantes, sem poder de garantir lucidez...
Hoje, o momento é mesmo de grande alívio: mágoas reinterpretadas e lançadas fora! Eu de volta a mim, na permanente tentativa de ser inteira. Minha vida retomada em plenitude, compreendendo com maior clareza o que eu mesma quis deixar para trás. Fui amada de maneira única, e amei cada nesga do ser amado. Isso vale para sempre. Pura delícia! Indescritível êxtase! Viver é experiência a ser vivida, sem temores, desde que não se fuja de si próprio. Tudo tem contradições e carrega consigo verdades que precisam ser revisitadas. Mais ainda: tudo passa. Tudo fica. Saber separar o joio do trigo é exercício da mais legítima humanidade. O prêmio é a própria vida, com o coração fortalecido para sorvê-la com legítima vontade. Ela continua.