terça-feira, 24 de novembro de 2015

Verissimo na veia
(Escrito entre 2012/2013)

Recebo agorinha de uma grande amiga uma mensagem, meio sentida, meio jocosa, diante do que acabava de ver aqui pelo Facebook. Eis que constata – e reparte comigo - que o e ex-companheiro, como se fosse possível apagar a vida vivida, retirou todas as referências ali contidas do tempo em que estiveram juntos. Talvez por mágoa, ela não explica bem, o cidadão levou tudo ao lixo, fotos e toda e qualquer referência a ela. No lugar do vivido, a ausência. E olhe que, segundo ela, foram tempos bem felizes antes do desgaste que levou ao rompimento! Eu nem posso confirmar, pois ela vive longe, nem conheci o casal enquanto tal e nem acompanhei o dito casamento. Mas não tenho razões para duvidar do que me diz. E ela completa, usando palavras que não conseguem esconder uma ponta de fina ironia: “Veja, minha amiga, o moço foi tão ingênuo... Será que ele não sabe que por trás do que é visível  está sempre o essencial? Ele me apagou mas eu estou por lá. Ele e eu sabemos. A foto que lá está ilustrando sua página foi recortada por minhas mãos. Mesmo que ele tente negar, eu estou – e sempre estarei lá, subjacente...” E tascou uma gargalhada no final – KKKKKKKKKKKKKKKKK

Cá do meu canto, penso com meus botões: “É, minha amiga, meu líder, Verissimo,  tem  sempre razão. Você se lembra daquele texto dele A FOTO?  (*) Manda pro rapaz... quem sabe ele aprende? Ou, pelo menos, ele se toca e muda a foto. Aí fica tudo escondidinho mesmo, sem ser gato escondido com rabo de fora. 

E, aí fui eu quem não resistiu e riu um bocadinho... KKKKKKKKKKKKKKK

A foto (**)

 Luís Fernando Verissimo

       Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão. Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
-          Tira você mesmo, ué.
-          Ah, é? E eu não saio na foto?
       O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
-          Tiro eu – disse o marido da Bitinha.
-          Você fica aqui – comandou a Bitinha.
       Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse. “Não deixa eles te humilharem, Mário Cesar”, dizia sempre. O Mário Cesar ficou firme onde estava, do lado da mulher. A própria Bitinha fez a sugestão maldosa:
-          Acho que quem deve tirar é o Dudu...
       O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho de Luiz Olavo. O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.
-          Só faltava essa, o Dudu não sair.
E agora?
-          Pô, Castelo. Você disse que essa câmara só faltava falar. E não tem nem timer!
       O Castelo impávido. Tinham ciúmes dele. Porque ele tinha um Santana do ano. Porque comprara a câmara num duty free da Europa. Aliás, o apelido dele entre os outros era “Dutifri”, mas ele não sabia.
- Revezamento – sugeriu alguém. – Cada genro bate uma foto em que ele aparece, e...
       A idéia foi sepultada em protestos. Tinha que ser toda a família reunida em volta da bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.
-          Dá aqui.
-          Mas seu Domício...
-          Vai pra lá e fica quieto.
-          Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
-          Eu fico implícito – disse o velho, já com o olho no visor.
       E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.





(**) Extraída do livro “Comédias para se ler na escola”, da Editora OBJETIVA, 2001, p.37

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