segunda-feira, 23 de novembro de 2015


 

DESABAFO
(escrito em setembro de 2015)
 
Meu maior amigo nesta vida chamava-se/chama-se André Trouche. Hoje, segundo sua firme crença na reencarnação, deve estar - com sua bondade, inteligência, olhar puro inigualável - espargindo bons fluídos como alma iluminada, por outras paragens que desconheço existirem.
 
Para mim, segundo minha própria incompetência diante das coisas deste mundo, sem ter a sua crença, ele está aqui, ao meu lado, como lembrança/presença viva. Esta é para mim, a sua eternidade, a sua presença, a sua continuidade ou, como queiramos chamar, o que permanece dele e de todos nós neste mundo, mundo, vasto mundo, incompreensível mundo, depois de nossa morte.
 
Dele tenho muitas e inigualáveis histórias. Delas sempre me lembro, e com alegria. E com uma saudade com ares de poço sem fundo. Hoje é um destes dias em que me lembrei vivamente de uma delas, o que me põe a aqui escrever sobre.
Eis que o moço do supermercado vem fazer a entrega de algumas compras. E, claro, começa a falar mal da Dilma, que, segundo ele, vai aumentar os impostos, prejudicando os pobres do país. Segundo expõe, convicto, agora todos terão que pagar imposto toda vez que fizerem qualquer despesa por cartão, cheque, todas elas. Imagino estar se referindo à nova proposta de CPMF e retruco, a ele que já é meu velho conhecido, de tanto papearmos quando vem por aqui, e digo que isso não será aprovado pelos deputados e coisa e tal. Detalho mais um pouco: “nada neste país que prejudique os ricos passa, ‘seu’ Antônio. Se isso passar, os banqueiros vão pagar bilhões em imposto, porque todas as transações que fizerem serão conferidas, visíveis. O que 'passa' é o que nos prejudica. Poucos estão lá que representem nossos interesses. E ele, sem entender bem, me responde: “Mas, dona Carmen, me diga, está certo, um cara que tem uma casa de 3 milhões pagar 30% de imposto, quando a vende? A casa é dele, ora...” E daí, segue com argumentos contra si próprio, sem ter a menor ideia do que seja processo legislativo, do que esteja embutido nos interesses em jogo, do que seja apoio político, base aliada, isolamento politico, luta entre as classes fundamentais, essa coisa toda...
 
Demos mais umas voltas em torno do assunto, mas tudo parecia inútil, sem eco. Ali, diante de mim, suado, aflito, desesperançado, mas quase sem condição de trocar argumentos, eu tinha um legítimo representante do Capital. E, pior, muitíssimo pior!, sem ter a menor consciência disso. Sem saber nem de longe como a banda toca, contra quem e por que meios e instrumentos.
 
Mais uma ou duas falas pra lá e pra cá, nos despedimos, e eu entro, falando em voz alta, para mim mesma: “DESISTO!”
 
O que Andrezinho tem a ver com isso? Muito! Tudo! Numa dada eleição, ele, em plena campanha, ativo militante como era, virou-se pra mim e falou: “Olha, Carmencita, é a última vez. Tenho casa própria, carro do ano, como o que gosto, viajo para onde eu quero... se os pobres não votarem a seu próprio favor desta vez, eu desisto. Vou viver só em torno do meu umbigo...! Chega!”
 
Hoje eu até diria a meu amado André: "De seu tempo para hoje as coisas pioraram muito, meu querido! Tudo cada vez menos nítido e mais difícil de explicar. Creio que se você ainda estivesse conosco, teria alguma dificuldade de escrever seus brilhantes textos que nos exortavam a seguirmos adiante. Cada vez mais, os poderosos contam com o apoio dos que sofrem suas ações predatórias e desumanas. E muito, creia, em função de nossos próprios erros. É desesperador!"
 

 

 

 

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