DESABAFO
(escrito em setembro de 2015)
Meu maior amigo nesta vida chamava-se/chama-se André Trouche.
Hoje, segundo sua firme crença na reencarnação, deve estar - com sua bondade,
inteligência, olhar puro inigualável - espargindo bons fluídos como alma
iluminada, por outras paragens que desconheço existirem.
Para mim, segundo minha própria incompetência diante das
coisas deste mundo, sem ter a sua crença, ele está aqui, ao meu lado, como
lembrança/presença viva. Esta é para mim, a sua eternidade, a sua presença, a
sua continuidade ou, como queiramos chamar, o que permanece dele e de todos nós
neste mundo, mundo, vasto mundo, incompreensível mundo, depois de nossa morte.
Dele tenho muitas e inigualáveis histórias. Delas sempre me
lembro, e com alegria. E com uma saudade com ares de poço sem fundo. Hoje é um
destes dias em que me lembrei vivamente de uma delas, o que me põe a aqui
escrever sobre.
Eis que o moço do supermercado vem fazer a entrega de algumas
compras. E, claro, começa a falar mal da Dilma, que, segundo ele, vai aumentar
os impostos, prejudicando os pobres do país. Segundo expõe, convicto, agora
todos terão que pagar imposto toda vez que fizerem qualquer despesa por cartão,
cheque, todas elas. Imagino estar se referindo à nova proposta de CPMF e
retruco, a ele que já é meu velho conhecido, de tanto papearmos quando vem por
aqui, e digo que isso não será aprovado pelos deputados e coisa e tal. Detalho
mais um pouco: “nada neste país que prejudique os ricos passa, ‘seu’ Antônio.
Se isso passar, os banqueiros vão pagar bilhões em imposto, porque todas as
transações que fizerem serão conferidas, visíveis. O que 'passa' é o que nos
prejudica. Poucos estão lá que representem nossos interesses. E ele, sem
entender bem, me responde: “Mas, dona Carmen, me diga, está certo, um cara que
tem uma casa de 3 milhões pagar 30% de imposto, quando a vende? A casa é dele,
ora...” E daí, segue com argumentos contra si próprio, sem ter a menor ideia do
que seja processo legislativo, do que esteja embutido nos interesses em jogo,
do que seja apoio político, base aliada, isolamento politico, luta entre as
classes fundamentais, essa coisa toda...
Demos mais umas voltas em torno do assunto, mas tudo parecia
inútil, sem eco. Ali, diante de mim, suado, aflito, desesperançado, mas quase
sem condição de trocar argumentos, eu tinha um legítimo representante do
Capital. E, pior, muitíssimo pior!, sem ter a menor consciência disso. Sem
saber nem de longe como a banda toca, contra quem e por que meios e
instrumentos.
Mais uma ou duas falas pra lá e pra cá, nos despedimos, e eu
entro, falando em voz alta, para mim mesma: “DESISTO!”
O que Andrezinho tem a ver com isso? Muito! Tudo! Numa dada
eleição, ele, em plena campanha, ativo militante como era, virou-se pra mim e
falou: “Olha, Carmencita, é a última vez. Tenho casa própria, carro do ano,
como o que gosto, viajo para onde eu quero... se os pobres não votarem a seu
próprio favor desta vez, eu desisto. Vou viver só em torno do meu umbigo...!
Chega!”
Hoje eu até diria a meu amado André: "De seu tempo para
hoje as coisas pioraram muito, meu querido! Tudo cada vez menos nítido e mais
difícil de explicar. Creio que se você ainda estivesse conosco, teria alguma
dificuldade de escrever seus brilhantes textos que nos exortavam a seguirmos
adiante. Cada vez mais, os poderosos contam com o apoio dos que sofrem suas
ações predatórias e desumanas. E muito, creia, em função de nossos próprios
erros. É desesperador!"
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