terça-feira, 24 de novembro de 2015

O AMOR DÁ VIDA ATÉ A QUEM NÃO TEM

(Escrito entre 2013 e 2014)

A moça foi fazendo pela vida afora uma bela coleção de bonecas, mulheres como ela, compradas por onde ia passando, andarilha que sempre fora por este Brasilzão de Deus. Fosse viagem de trabalho, onde o prêmio era o próprio contato humano – fonte de sua maior riqueza –, fosse do simples ver e sentir novas paisagens – e pessoas também –, lá ia ela, sempre, recolhendo aquela nova mulher que a emocionava, quando em visita a mercados, feiras, lojas ou ateliês da cidade recém conhecida. Amigas, não dá para deixá-las de lado, sabendo do seu gosto, também a presentearam com algumas outras e atraentes figuras – de madeira, louça, palha e outros tantos materiais. A coleção se fez tão volumosa que um dia pôs-se mulher de carne e osso – e alma – a catalogar suas irmãs de outras bandas e de tantos outros feitios e materiais, para que sua parca memória contasse com alguma indicação do local, do artesão e do ano em que a nova peça se unira às demais parceiras.
A coleção vagou por alguns lares, até que chegou à linda casa – até agora definitiva – por ela adquirida, por paixão e gosto. Logo na entrada, no hall, uma prateleira de pinho de Riga, presente de um de seus antigos amores, artesão dos bons, passou a guardar as mulheres de mentira daquela mulher que, pretensiosa que só!, se julgava mulher de verdade. E, desde então, ali permanecem, recebendo de quando em vez uma nova aliada e, devo dizer que lá se vai um bom tempo de intenso convívio entre umas e outras...
Acontece que a moça, com certeza num dia de alucinação desmedida, tendo ido fazer uma viagem mais longa, com certeza, a mais apaixonante de sua vida, passou pelo hall e, sem muito pensar e alheia a qualquer ponderação, por puro impulso, olhou para suas companheiras e retirou três delas e as levou consigo (A escolha de quais foram, com certeza, dá margem a uma outra história e não vem ao caso agora, é coisa para depois...). O fato é que a nova viagem lhe parecia tão única que, hoje, ela reflete, a moça queria mesmo era a cumplicidade de algumas de suas irmãs de percurso. Alguém haveria de estar com ela para testemunhar o brilho do seu olhar, o calor de suas carnes, a frescura de seu sorriso, ao viajar para aquele seu lugar inesperado e único, a sua viagem ao encontro do amor.

Pois, hoje, decretada a finitude daquele amor invulgar, já de volta, e trazendo as amigas ao seu antigo berço, elas que já estão ali rearrumadas faz um tempinho, desde seu retorno, saindo para buscar o jornal na porta do Hall, a moça passou os olhos e pôde ver o impensável: de todas as belas mulherezinhas ali reunidas, umas maiores, outras bem pequenas, cada qual a seu jeito e maneira de se apresentar, enquanto todas as demais permaneciam inalteradas em sua antiga forma de ser, as três, que por um tempo se ausentaram, traziam algo diverso em sua aparência – uma mal disfarçado sorriso, enigmático,  mas revelador  de  intensa emoção –  não conseguia abandonar suas bocas de louça, certamente por tudo que testemunharam de amor verdadeiro e de união entre o casal que por um tempo viajou no amor longe desta casa daqui.


Realmente, quem vive o amor ganha marcas para sempre. A moça e as suas três amigas, antes inanimadas, sabem do que estão falando.  Até mesmo o moço, aprisionado à crença de que bonecas não riem, ele mesmo, que ainda não apareceu nesta história, mas que esteve todo o tempo presente, amando e sendo amado.

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