PAU-DE-DAR-EM-DOIDO
Triste sociedade esta que nos acorrenta a um jeito de ser e
viver contraditório, dúbio, inconstante, perverso. A gente quer ser o melhor de
nós e a vida nos traz tristezas, amarguras, desafios incapazes de serem medidos
e superados sem grande sofrimento.
Sei lá por qual lei da natureza, sou bem humorada, adoro
rir, seja lá do que for, e vejo-me em luta constante com o meu estado d’alma,
entre meus movimentos mais acesos e para o alto, e outros tantos, que me trazem
para o lado mais sombrio do mundo, ao qual não consigo me furtar. É uma
gangorra constante entre bondade e “beliscão bem disfarçado em braço de menino
pobre”, entre lucro e altruísmo, entre excesso e carência, entre atos tidos
oficialmente como terroristas e outros tantos, cujas bombas e consequências são
de efeito retardatário e naturalizado (destruição em alto grau, mas a médio e
longo prazos).
Mesmo que num exato momento eu esteja às gargalhadas por
estar lendo um texto onde encontro a afirmativa de que “a velhice existe desde
épocas bem antigas” (o que me faz imaginar a hipótese impossível do tempo
anterior a esse tempo bem antigo – e rir; e a seguir em meu devaneio
humorístico-filosófico: se a velhice começa a surgir num determinado tempo, por
mais antigo que ele seja, há um tempo anterior ao tempo antigo, e rio um pouco
mais; e a pensar no ser humano naquele tempo mais antigo... como seriam homens
e mulheres quando não havia velhice?, e torno a rir; e a rir de mim mesma por
tanto rir... – pois bem, mesmo que esteja nesse estado de pura galhofa (sempre
estou aberta a rir de alguma coisa, é meio impressionante...), sozinha e feliz
da vida, eis que me chega algum fato novo, acontecido em algum canto, mais ou
menos distante do Planeta, lugar onde já estive ou onde nunca estarei (*), a
provocar entristecimento, mágoa, impossibilidade, paralisia.
E, pior, sei lá, é a sensação inexplicável de ser um humano
dividido. Se me deixo embrenhar totalmente pela dimensão da perversidade,
sucumbo e nem o mais forte dos tarjas preta há de me trazer o sono a cada
noite. Já, se fico no meu canto, alienada e “alegrinha”, fico sendo uma pessoa
que me desconheço, pois o outro faz parte de minha dimensão de ser humano
integral. Impossível! Só me faço e
existo na relação com o outro.
De uns tempos pra cá, não tem sido raro que amigos – que
antes se identificavam em sua maneira de entender e viver o mundo – andem
divergindo entre si. O fato: o rato roeu a roupa do rei de Roma. Verdade! Mais
ainda: a ação do roedor se deu num tal nível de destruição que há carência de
material a ser cerzido, refeito, novamente posto para um uso possível. Nem o
rei, muito menos a plebe ignara, está em condições de se vestir com a antiga
roupagem. O rei e todos nós estamos nus!
Tenho amigos que estão propagando como saída o amor, o amor
ao vizinho, sem a grande – agora inalcançável – pretensão do amor à humanidade
inteira. A pretensa superação da desigualdade social haveria de ser olvidada,
por inútil, tal qual vem-se moldando na realidade do agora. A ordem é ser generoso com o próximo, próximo
mesmo, no sentido físico do termo, de aqui e agora. Sobre os destinos da
Humanidade, em sua rota de acentuação do fosso entre pobres e ricos, não é
tarefa humana nem plausível tentar interferir.
Perdemos, meninos, perdemos! - é o que muitos nos dizem.
Cá no meu pensar, cato minhas dúvidas, minhas tentativas,
minha base teórica de entender o mundo, meus sonhos e quereres, e venho pro meu
canto escrevinhar.
Que amor é este? Voltamos ao tempo "aliviador" da
caridade cristã? Como vou me esquartejar e amar os próximos, esquecendo-me dos
distantes?
Está bem, vamos lá, eu faço um exercício de suposições...
Compro uns livrinhos de história para a filha do amigo
humilde que está por nascer? Compro uma vez por ano os cartões dos pintores com
a boca e os pés? Luto cotidianamente para combater minha má vontade com o
vizinho que é agressivo com os cães daqui de casa? Sou generosa e vou além do
simples cumprimento da legislação trabalhista em relação à empregada doméstica
que trabalha comigo? Sou gentil com o idoso que está no ônibus e lhe dou o
lugar? Combato em mim os resquícios de egoísmo e as marcas de preconceitos que
incorporei pela vida afora? É assim que a banda deve tocar?
E como diluo dentro de mim a necessidade de agir em relação
a quem está distante e sofre os efeitos maléficos de uma vida miserável e
carregada de injustiça e sofrimento? Devo virar-me para mim mesma, consolar-me
e me aconselhar a restringir-me em meus intentos e ações a quem me cerca?
A saída se dá em âmbito individual, será assim? Eu, então,
passo a amar a quem já amava – filhos, irmãos, pais, amigos? O amor é algo
restrito a apenas alguns, àqueles a quem eu “naturalmente” já me entregava
amorosamente?
Ou seja: vou pelo caminho (teoricamente) mais fácil, o
caminho da maioria, o caminho em linha reta sem olhar pros lados, o caminho
possível, o caminho de quem tenta se livrar de sua preocupação com a
continuidade das mazelas sociais?
CONSIGO NÃO! APENAS ESCREVER, FALAR, RIR E CHORAR É PORÇÃO
ÍNFIMA QUE ENTREGO DE MIM MESMA PARA O QUE SE FAZ NECESSÁRIO! SOU A MAIS PURA
CONTRADIÇÃO! E NAS PROPORÇÕES EM QUE ELA HOJE SE APRESENTA É DESAFIO
SOBREHUMANO! NÃO QUERO MAIS BRINCAR DE SER HUMANO, NÃO!
EU SOU MENOS EU!
(*) Em julho último, Mariana Lozza e Martin Lozza
estiveram num dos bares onde ocorreram mortes, em Paris.
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