JOEL, O MOTORISTA[1]
Nem sei quantas vezes já contei o caso do motorista
que me levava para visitar escolas durante um certo tempo em que tal tarefa fazia
parte de minhas atribuições como coordenadora pedagógica de um determinado
projeto de leitura. Foi um tempo, um
longo tempo, anos, em que conheci o Rio de Janeiro em suas dimensões as mais
variadas, em suas circunstâncias as mais tranquilas e ameaçadoras, as suas regiões, todas elas, as mais distantes, o “Rio
Profundo” mesmo, pois que ele existe, bem ali do outro lado da Ponte. Uma vez, me
lembro bem, a escola era tão distante, mas tão distante mesmo, que, depois de
muito avançarmos por pequenas vielas e estradas pra lá de estreitas, demos de
frente com um morro alto bem verde, bonito de dar gosto, e eu, sem avistar nada
por ali que se parecesse com um prédio escolar, virei para rapaz e disse,
gracejando: “Joel, ache logo a escola, porque o Rio está acabando...”
O Joel era uma figura singular: calado, sempre na
dele, muito simpático, cara e gestos de boa gente, mas mais passivo do que se
poderia desejar. Pelo menos do que eu poderia apreciar, na minha produtividade
e dinamismo que conduzem meu cotidiano, todo ele feito de ação e organização, aproveitando
brechas e situações que possam se somar em prol de algo que valha a pena.
Esperar para mim é quase dos males o pior.
Tenho meus ócios, criativos ou não, adoro ficar de preguiça em meus breaks, muitas vezes mais demorados do
que deveriam e por mim mesmos estabelecidos e usufruídos a valer. Mas, trabalho
é trabalho, é ação, é criação, é pensamento, é produção, é vida – ativa e
efetiva.
O costume era Joel me levar a cada escola e aguardar
o tempo necessário – uma, duas ou mais horas – até eu me desencumbir da tarefa
junto aos professores. O prazer era tanto que um dia, me lembro bem, eu saí da
escola, com a adrenalina a mil, pela graça dos momentos ali vividos em conversa
com os professores, mal abri a porta, fui logo dizendo, com a minha costumeira espontaneidade:
“Ainda morro disso, Joel!” (ao que ele riu, naturalmente, imagino, por associar
meu dito ao significado mais usual da expressão ...)
Esse mesmo Joel, o calminho Joel, numa certa feita,
me viu voltar pro carro mais animada ainda do que de costume. Pois lá vim eu,
como que embriagada pelo prazer do trabalho e, ao ver o motorista ali,
quietinho, horas após ter me deixado naquele mesmo portão, ele, ali,
praticamente na mesma posição em que o deixei, incomodada, acesa, inquieta, a
ele me dirigi, dando origem ao seguinte diálogo:
- Joel, você não gosta de fazer alguma coisa
enquanto me espera? Ler o jornal, que tal?
- Nada, Dona Carmen...
- Um livro? Ler um livro? Fazer palavras cruzadas,
Joel?
- Que nada, Dona Carmen...
- Ouvir música, você não gosta? Caminhar aqui por
perto?
- Gosto, não, Dona Carmen...
- Huuuum, fico incomodada, você nem vai ali tomar
um cafezinho (apontando para o boteco da esquina)?
- Vou, não... sabe de que gosto mesmo, Dona Carmen?
Eu me aprontei toda, cheguei a endireitar o corpo, me
postar mais pra frente, como que para os ouvidos captarem logo, o mais rápido
possível, o que ele finalmente diria como ação que indicasse um mínimo de
iniciativa de sua parte. Foi quando, enquanto eu ainda me ajeitava, pude ouvr:
- Sabe, dona Carmen, eu gosto mesmo é de esperar...
Foi a deixa para voltarmos em silêncio até minha
casa, em Niterói...
Nada a fazer. Era morder minha língua, aquietar
minha “neurose de atividade para todo e qualquer cidadão” e reafirmar,
baixinho: “Que seria do amarelo se todos gostassem do azul?”
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