Catedrais
De meu ponto
de vista..., não, isso é um equívoco, não é assim que começa a história; e eu
reescolho as palavras para tentar me aproximar o mais que possa da realidade
mais objetiva: do ponto de vista do que de mim tenho clara consciência (agora,
sim!), não vejo motivos para meus sonhos se ocuparem tanto dela. Poucas vezes estive lá para a surpreendente dimensão
que toma em meus sonhos.
Com pompa e
circunstância, estive nela apenas duas vezes: na minha primeira comunhão, onde,
pela primeira – de tantas outras que viriam adiante –, eu senti a hóstia
no céu da boca, agarrrada que nem filho de
boliviana preso na kepina materna; e como dama do casamento de uma amiga, toda
empertigada em meu requintado traje, com chapéu e tudo o mais. Ah, teve a vez em
que também lá estive, mas estritamente no escritório ao lado, uma portinha
miúda onde o padre recebia os fieis fora dos horários das missas. Acompanhava uma amiga que ia se casar e o seu
desentendimento foi de tal ordem com o cidadão que a atendeu, que ela saiu criticando em alto e
bom som a Igreja Católica e foi procurar outra paróquia para agendar a
cerimônia.
Sonho muito
insistentemente com a Catedral do Santíssimo Salvador da cidade onde nasci.
Chego a pensar agora enquanto escrevo que creio ter estado nela em termos
oníricos tantas vezes quanto totalmente desperta e desmodorrada. Ou seja, em vida de movimentos conscientes, menos
assídua a seus rituais, impossível! São sonhos mais recentes, nada que pudesse
ter tido lugar em tempos de juventude. Sonhos de hoje em dia, sonhos da
maturidade.
Não sou católica,
não professo sequer nenhuma religião e, pior, quase nunca fui a Catedral. Sou
tão distante da dita cuja que faz pouco tempo que “descobri” que o Salvador não
era um santo qualquer chamado Salvador, mas o próprio Jesus, ele, sim, o
Santíssimo. Olhei para a imagem numa
foto do interior da igreja e percebi a sua semelhança com a do Jesus que conhecemos de pinturas dos mais
diferenciados estilos. Pois a Catedral me frequenta de maneira assídua. Já que
não vou a ela, ela vem a mim enquanto durmo. Exemplo vivo, em minha vida, da
história de Maomé e sua montanha. Fosse questão de contar pontos para acesso a um
outro patamar de evolução, os tradicionais 75% exigidos formalmente já estariam
garantidos e eu apta a prosseguir.
As visitas
noturnas à Catedral de Campos têm sido realizadas tão amiúde que, quando eu
acordo e dou por mim, fico querendo estabelecer nexos, na minha permanente busca
de encontrar minhas catedrais, becos, servidões e caminhos outros que possam
estar escondidos lá por dentro de meu oratório, a minha alma errante e inquieta.
Entendo bastante bem sonhar com Atafona, com a casa da Beira Rio, com Grussaí e com aquelas pessoas
de minha vida que costumam me visitar durante a noite. Mas em relação à
Catedral permanece uma incógnita. Penso, penso e não desvendo sua relação com
meu caminhar pela vida.
Pesquisadora
de mim mesma, amanheço mais uma vez com a seguinte questão instalada: por que a
Catedral? Qual a sua importância simbólica em minha vida? O que terei vivido lá
de que não me lembre e que vem insistentemente aos sonhos como fonte de desvendamento
de minha arquitetura interior?
Esta noite
foi espantoso e creio começar a retirar as pedras do caminho. Trabalho de restauradora que descobre segredo quando se dispõe a retirar as primeiras camadas da máscara ocultadora do real que vale. Nela, neste
último sonho, eu cresci tanto os seus espaços internos, que ela invadiu as ruas
ao lado, como se estivesse sido espichada para bem mais longe de seus reais
domínios, tornado-a vizinha de lojas e mais lojas, pelo seu lado direito. Com
minha imaginação mais profunda, fiz o seu altar principal ficar bem mais
distante da porta de entrada do que de fato é em tijolos de barro (ou de qual
for o material com o qual foi construída).
(Escrevendo, me lembro de ter visto ontem pela TV algumas
atletas que, constatado pela inspeção o tamanho menor e indevido de seu
material de exibição, para manter as suas faixas de pano do tamanho exigido
como regra em competições, tinham que desfazer bainhas e até passar a ferro,
pacientemente, para vê-las ganharem os centímetros que lhe faltavam para se
adequar à medida certa.).
Será que o
atleta cresce o seu material e eu cresço o meu – a minha cátedra, a minha matéria
prima?
Também para
os lados eu fiz a Catedral ganhar volume, tal qual a Basílica de São Pedro, no
Vaticano. O formato em cruz, inexistente na vida real, surgiu bem destacado. Dentro
dela, muitas pessoas, num ato público, revolucionário. Meu grande amigo Miltão,
bastante entusiasmado, estava lá e Leda, sua mulher, também. Havia uma luta por
alguma causa da área médica, mas foi transformada, não sei por qual motivo,
numa reivindicação da Educação. O caso é
que sobre o tema, eu já havia escrito um livro há alguns anos. Pois uma moça de
uma editora veio e me arrebanhou das mãos o derradeiro exemplar que eu tinha comigo.
A sensação era a de que em dias o que eu havia produzido seria usurpado por uma
editora de nome, conhecida, e o meu trabalho seria apropriado por outro, minha
autoria sendo apagada do mapa.
Nesse
tumulto, eu sou alvejada por uma flecha bem no meio do peito. Eu a vi sendo
lançada e me atingindo em cheio. Não morro e fico necessitando de um socorro
imediato, que não vem. Muita perda de tempo. Risco de morte, sendo que às vezes eu
ficava esquecida sem cuidados. De repente, alguém se aproximava e era como se
fosse ajudar, mas o socorro mesmo não vinha. Tenho a sensação que no final da “história”,
fui levada a um hospital.
Acordei mais
do que impressionada. Vim escrever e fui à cata dos significados. O encontro
deles me impressionou mais ainda:
Catedral vem de
cátedra – Cadeira –
Palavra originária do Grego káthedra que significa local de assento, para designar
onde as pessoas se sentavam. A palavra CATEDRAL também deriva da mesma origem e
no caso representa o lugar onde se localizava a mais alta autoridade
eclesiástica de uma região. Podemos dizer também que quando uma pessoa conhece
algum assunto "de cátedra" significa que ela pode ser considerada uma
autoridade no tema.
Catedral – Templo religioso onde
existe a CÁTEDRA, ou cadeira pontifícia, sede de uma DIOCESE cujo superior é o
BISPO, CARDEAL OU CARDEAL ARCEBISPO.
Cátedra –
No Cristianismo, a cátedra é
o símbolo do magistério episcopal e da alta autoridade eclesiástica. Desta
acepção surge a expressão latina ex cathedra, que denota uma manifestação feita
a partir da autoridade conferida pela cátedra.
Uma cátedra é uma peça de mobiliário que se configura num assento de espaldar alto, poltrona ou trono, que vem dos tempos anteriores ao gótico, mas que entraram mais no uso nessa
época, e que seria para as pessoas mais ilustres se sentarem, onde podiam ser
notadas à distancia.
Carmeando, como gosto de fazer, chego ao meu íntimo. A catedral sou
eu mesma, cada vez mais alargada, estudada, pensada, vivida, sentida, imaginada,
sofrida. Professora que sou, tenho o magistério no sangue, no cotidiano, na
carne, no jeito de viver. Quero dominar a cátedra de mim mesma. E não desisto.
Amplio espaços, reformo corredores, refaço percursos. E sigo adiante.
E, por um acaso, viver não é fazer de si uma permanente incógnita em
torno da qual o olhar humano-perquiridor não desista de ir à cata, de olhos bem
abertos ou cerrados pelo cansaço? Se vale para os outros, não sei, mas para mim é o caminho que seu fazer. O novo é o que surge, mas o método é o de sempre: seguir sem duvidar das dúvidas, sem crer em certezas, sem desistir de mim.
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