sábado, 28 de novembro de 2015


UMA RELAÇÃO SEM NOME, UMA DOR SEM TAMANHO

 (escrito em 22/11/2013)

Sol? Nem lá fora nem nas entranhas. Dia de saudade.  Coração indócil. Uma certa amargura afligindo o peito. Recorro às palavras. Começo a dedilhar e me deixo tomar pela emoção que cruza fronteiras e escorre pelas mãos. Sempre é a mesma maneira de lidar com a dor. É escrevendo que aciono as válvulas internas dos sentimentos e vou conseguindo purgar as dores que me fazem chorar, como aqui, agora.



Há amigos, muitos, que estranham eu ser tão alegre e fazer tanta graça com as coisas, as mais singelas, do cotidiano. Uma das amigas, de uma certa forma, até me repreendeu, ao me ver tão crítica em relação a mim mesma, mais especificamente quanto falo de minhas práticas “marfianas”, como se eu estivesse me desmerecendo demais,  anunciando-me como uma idiota que não distingue uma garrafa pet de uma outra de desinfetante[i], esse tipo de coisa... Com suavidade, retruquei: “Qual seria a graça de falar daquilo que sei? O que faz rir são as derrotas...”

Pois eu vivo de gostar de extrair o melhor humor dos fatos do dia-a-dia, sem que eu mesma perceba ou me determine a tal fim. A vida vai sendo vivida e a minha natureza dela vai extraindo o seu aspecto lúdico, como que a entender o humor como uma arma que me protege contra a crueza do conjunto da obra que é viver.

Feliz ninguém é. No máximo, nesta sociedade perversamente estruturada, cada um tem lapsos de alegrias ou momentos de distanciamento ou alienação, até mesmo para sobreviver em meio ao caos. Como uma capa protetora para se fazer viver no momento seguinte, a pessoa se deixa levar por uma alegria aqui, outra ali, mas viver mesmo, num mínimo nível de profundidade, não deixa ninguém ser feliz em paz.

Por isso, sou alegre. Melhor dizendo: porque sou triste, sou alegre. Porque me deixo abater pelo que vai me acometendo pela vida afora, faço-me bem humorada para não sucumbir. Porque choro, eu rio. Porque sinto saudades, eu escrevo.

Nada nunca foi programado. Nunca me dispus a fazer graça para me proteger.  Não sou e nem consigo ser racional e programar-me previamente para o que virá. Veio vindo a mim o refúgio das palavras e nelas eu cada vez me apoiei, delas cada vez me servi e me sirvo, acalmando meu coração tomado por perdas e pelo meu viver pouco convencional e sempre sonhador, repleto de dúvidas e incertezas...

Tudo isso para dizer que hoje estou mooooooooorta de saudades de meu enteado. Viver sem ele por perto é doloroso e extraiu de mim uma parte que se desenvolvia com harmonia e onde reencontrei a maternidade.  E maternidade com tempo de ser mãe, já numa altura da vida em que a riqueza de um amor filial podia ser vivida mais a fundo e sem hora marcada para ser mãe.

Com qualquer pessoa, mesmo que as relações se rompam, o que está em torno pode ser preservado. Mas, quando envolve o fim de um casamento onde o adolescente que fica tem pai e mãe, é perda quase que total. Se não se é mais a mãedastra, o que você é em relação ao filho querido da véspera? Quem sou hoje para o meu ex-enteado?  Aliás, existe ex-enteado? Inda mais quando se mora longe.

Por amor às palavras, sempre gosto de começar a falar das coisas, nomeando-as, analisando seus nomes, dialogando com seus significados. Pois a minha relação com meu querido filhote não tem nome que a defina. Só tem mesmo o meu amor e a minha saudade, que hoje me põe a nocaute.  É chorar, chorar e chorar... Não imagino o motivo, mas há dias em que fico assim, inconsolável. Hoje é um desses dias terríveis.

Ah, Vitor!, como sinto sua falta! Como lamento não ter você por perto. Te amo demais. E sinto muita falta de você, do seu cheiro, da sua voz, da sua conversa, do seu silêncio, da nossa cumplicidade.

Um beijo bem grande, meu amor.






[i]  A crônica SEGUNDA HISTORIETA DA PRIMA DE MÂRFI, também publicada aqui,  fala disso.

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