NO
DIA DE HOJE, A NOITE DE ONTEM
(Escrito em setembro de 2015)
Tenho que agradecer à vida o fato de ser tão instável, um dia estar no
fundo do poço, sem ar, sem chance de ver nenhum raio de luz, cega pela
desesperança, e, no outro, amanhecer rindo do estranho sonho (mais um!) que
tive. Na verdade, sei que dá e passa, tanto o medo quanto a alegria, tanto a
dor quanto o louvor, tanto a paralisia quanto a pressa que prende o pé num
inesperado tropeço. Só torço – e zelo, e teimo e rogo – para que nada aconteça
e passe sem que deixe algo de novo que me faça ter um olhar reflexivo sobre a
vida vivida, nem que seja escorrido pela mais estreita greta de minhas
entranhas. Em branco é que não dá para ir vivendo...
Às vezes, é verdade, fico até cansada de sonhar tantos absurdos. E
seguidamente, noite após noite, sem descanso. Não há terapia que dê conta. É
fantasia demais para juntar e para em torno delas buscar algum sentido. Mas,
ainda as prefiro do que me fazer adormecer com um remedinho qualquer destes que
tombam o sujeito, imobilizando-o até o dia seguinte.
Mas, o sonho, o último, vamos a ele...
Mais improvável, impossível! Eu, num time de vôlei em Arraial do Cabo.
Num dia de festa na cidade, o jogo fazia parte das comemorações. Parte do sonho
foi gasta com a minha preparação. Fui colocando peça por peça da roupa de
esportista, com um detalhe estranho, o de que calcei duas meias, sobrepostas,
grossas. Na vida real, daria agonia.
Estranho. Arraial do Cabo, está certo, já trabalhei lá, mas, jogando
vôlei? Minha vocação de atleta, inexistente nesta e em outras vidas pregressas
e futuras, em sã consciência, não me permitiria jogar vôlei sob nenhuma
hipótese. Em Campos cheguei a ter umas aulas de tênis, mas por pura falta do
que fazer. Do mesmo jeito que uma vez inventei que queria usar óculos e cheguei
a usar, sem grau nenhum, me achando linda. É muita história...
Mas, e o sonho? Jogar vôlei? Seria para, mesmo dormindo, enfrentar
alguma perda? Huuum, não, não, essa, não. Ou sim. Mas, aí, é coisa para se ver
na terapia, não aqui. Aqui é a escritinha mais pra fora, pra matar a vontade de
encostar meu dedinho no dedinho do mundo.
Mas, o sonho tinha um dado de realidade: antes da partida começar – e as
jogadoras eram todas desconhecidas, cada qual se apresentando ali, na hora do
jogo ser iniciado, eu fui logo dizendo: “Meu nome é Carmen, não sei por que
estou aqui, eu só joguei vôlei na adolescência, em Atafona, nem sei mais quais
são as regras...”
Pausa enquanto escrevo.
Mesmo sem querer me precipitar em interpretações de psicologia vulgar,
fora a graça do inusitado delírio da madrugada, e voltando-me para o lado mais
sério da imagem onírica recém lembrada, será o sonho um indício de que ando
desaprendendo como se joga o jogo da vida? As regras estão ficando obscuras
demais? O cinismo é a regra?
Sei lá, mas pelo ralo que olho daqui de cima, parece que estou vendo ir
sendo sugado, com força, meu preparo físico, emocional, ético, espiritual.
Surpresa final: até esta croniqueta – que era para
ser alegrinha – está terminando comigo de crista baixa.
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